segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Interpretação de texto: 2001 - Uma odisseia no espaço. (Sugestão: Filme Pasaageiros.


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Discovery

A nave estava ainda a trinta dias da Terra, mas, às vezes, David Bowman achava difícil acreditar que conhecera outra existência para além do pequeno mundo fechado da Discovery. Todos os seus anos de treino, todas as suas anteriores missões à Lua e a Marte, pareciam pertencer a outro homem, noutra vida. Frank Poole reconhecia ter as mesmas sensações, e chegara a lamentar, com um ar brincalhão, que o psiquiatra mais próximo se encontrasse a cento e cinquenta milhões de quilômetros de distância. Mas tal sensação de isolamento e afastamento era fácil de compreender, e claro que não indicava qualquer anormalidade. Nos cinquenta anos seguintes à primeira aventura do homem no espaço, nunca houvera uma missão como aquela. Começara, cinco anos antes, como Projeto Júpiter – a primeira viagem tripulada à volta do maior dos planetas. A nave encontrava-se quase pronta para a sua viagem de dois anos quando, algo abruptamente, o perfil da missão fora alterado. A Discovery iria na mesma a Júpiter; mas não pararia. Nem sequer abrandaria a sua velocidade quando passasse pelo distante sistema de satélites joviano. Pelo contrário – usaria o campo gravitacional do mundo gigante como estilingue que a projetasse para sítios ainda mais distantes do Sol. Tal como um cometa, riscaria o espaço das fronteiras mais afastadas do sistema solar, em direção ao seu objectivo fundamental: a glória dos anéis de Saturno. E nunca regressaria. Para a Discovery, seria uma viagem só de ida – todavia, a sua tripulação não tinha quaisquer intenções de se suicidar. Se tudo corresse bem, estariam de volta à Terra dali a sete anos – cinco dos quais se passariam num abrir e fechar de olhos, no sono sem sonhos da hibernação, aguardando o salvamento que seria levado a cabo pela ainda por construir Discovery II.
[...]
Como todas as viagens ao desconhecido, era um risco calculado. Mas meio século de pesquisas haviam provado que a hibernação humana, artificialmente induzida, era perfeitamente segura, o que trouxera novas possibilidades às viagens espaciais. No entanto, até àquela missão, elas não haviam sido exploradas ao máximo. Os três membros da equipa de estudos, que só seriam precisos quando a nave entrasse na sua órbita final em volta de Saturno, dormiriam durante toda a viagem até lá. Toneladas de comida e de outros produtos de consumo seriam assim economizadas; e, quase tão importante, quando entrasse em ação, a equipa estaria fresca e alerta, e não fatigada por uma viagem de dez meses.
A Discovery entraria então numa órbita de estacionamento à volta de Saturno, tornando-se mais uma lua do planeta gigante. Aí, balançaria para trás e para diante ao longo de uma eclipse de três milhões de quilômetros, que a levaria para perto de Saturno, e depois através das órbitas de todas as suas luas principais. Disporiam de cem dias para traçar mapas e estudar um mundo com uma área oitenta vezes superior à da Terra, rodeado por um séquito de pelo menos quinze satélites conhecidos – um dos quais do tamanho do planeta Mercúrio.
[...]
Ao fim dos cem dias, a Discovery fechar-se-ia. Toda a tripulação entraria em hibernação; vigiados pelo incansável cérebro eletrônico da nave, apenas os sistemas essenciais continuariam a funcionar. A nave seguiria então a sua órbita em volta de Saturno, tomando um rumo tão bem determinado, que qualquer homem saberia onde a procurar num período de mil anos. Mas, segundo os planos, dali a apenas cinco anos a Discovery II chegaria até ela. E mesmo que se passassem seis ou sete ou oito anos, os seus passageiros adormecidos nunca dariam pela demora. Para todos eles o relógio pararia, como já parara para Whitehead, Kaminski e Hunter. Às vezes, Bowman, como Primeiro Comandante da Discovery, invejava os seus três colegas, inconscientes na paz gelada dos hibernáculos. Estavam livres do aborrecimento e de toda a responsabilidade; até atingirem Saturno. O mundo exterior não existia para eles.
Mas mais fascinante que tudo eram os EEGs – as assinaturas eletrônicas de três personalidades que haviam, um dia, existido, e que voltariam a renascer. Estes praticamente não tinham os picos e depressões, as explosões eléctricas, que marcam a atividade do cérebro acordado – nem sequer a do cérebro num sono normal. Se neles permanecera algum pedaço de consciência, este encontrava-se para lá do alcance dos instrumentos, e da memória. Bowman conhecia este último facto por experiência pessoal. Antes de ser escolhido para aquela missão, as suas reações à hibernação haviam sido testadas. E ainda não tinha a certeza se perdera uma semana de vida, ou se adiara a morte por igual período de tempo.
Embora houvesse regressado são e salvo das fronteiras mais longínquas do sono, e dos confins mais próximos da morte, passara apenas uma semana. Quando saísse do hibernáculo, não veria o frio céu de Saturno – que ficava a mais de um ano no futuro, e a um bilião e meio de quilômetros de distância. Encontrava-se ainda no simulador, no Centro de Voo Espacial de Houston, sob o sol quente do Texas. 

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HAL 

Mas agora o Texas estava invisível, e nem os Estados Unidos se descortinavam facilmente. Embora o motor a plasma de baixo impulso tivesse sido desligado havia muito tempo, a Discovery seguia ainda ao longo da costa, com o seu corpo delgado e em forma de seta apontando para fora da Terra; toda a sua aparelhagem óptica, altamente potente, se orientava para os planetas exteriores, onde ficava o seu destino.
Pelo menos uma vez em cada período de vigia, Bowman olhava para casa através do telescópio de alinhamento da antena. Como a Terra se encontrava muito para trás, na direção do Sol, virava o seu hemisfério escurecido para a Discovery, e, no visor central, o planeta adquiria a forma de um ofuscante crescente prateado, como outro Vénus. Raramente podiam ser identificados alguns traçados geográficos naquele arco de luz que cada vez encolhia mais, pois as nuvens e a neblina escondiam-nos, mas até a porção escurecida do disco se lhe afigurava incessantemente fascinante. Salpicavam-na cidades brilhantes, que, ora ardiam com uma luz sempre igual, ora cintilavam como pirilampos, quando perpassadas por vibrações atmosféricas. Havia também períodos em que a Lua, no movimento normal de vaivém da sua órbita, iluminava os mares e continentes escurecidos da Terra como um grande candeeiro. Nessas alturas, emocionado pelo reconhecimento, Bowman descortinava frequentemente litorais familiares, que brilhavam àquela espectral luz lunar. E, às vezes, quando o Pacífico estava calmo, chegava até a ver o reflexo da lua cintilando na sua superfície; e recordava noites passadas debaixo de palmeiras de lagunas tropicais. No entanto, não lamentava estas belezas perdidas. Gozara-as todas, durante os seus trinta e cinco anos de vida; e estava determinado a desfrutar novamente delas, quando regressasse rico e famoso. Entretanto, a distância tornava-as ainda mais preciosas. O sexto membro da tripulação não estava interessado nestas coisas, pois não era humano. Tratavase do altamente avançado computador HAL 9000, cérebro e sistema nervoso da nave. O Hal (de computador Algorítmico Heuristicamente programado, nada mais, nada menos), era uma obra-prima da terceira vaga de computadores.
[...]
Hal fora treinado para aquela missão tão minuciosamente como os seus colegas humanos e a várias vezes os seus ritmos de entradas, pois, além de possuir uma velocidade intrínseca, nunca dormia. A sua tarefa principal consistia em monitorizar os sistemas de apoio de vida, verificando continuamente a pressão do oxigênio, a temperatura, fugas no casco, radiação, e todos os outros factores, dos quais dependiam as vidas da frágil carga humana. Era ele que se encarregava das intrincadas correções de navegação, e executava as necessárias manobras de voo quando chegava a altura de mudar de rumo. E vigiava os homens em hibernação, fazendo os ajustamentos necessários e racionando as quantidades mínimas dos fluidos intravenosos que os mantinham vivos.
[...]

1. Em que pessoa está o foco narrativo?

R. Terceira pessoa. Narrador observador.

2. O que está sendo narrado?

R. O narrador fala sobre o que passa no íntimo da personagem David.

3. Qual é a estratégia para chegar a Saturno?

R. Utilizar o campo gravitacional de Jupiter como um estilingue, para lançar a nave Discovery ainda mais longe do Sol e atingir Saturno.

4. O que aconteceria com a Discovery ao se aproximar de Saturno?

R. A Discovery entraria em órbita de estacionamento de Saturno, tornando-se uma nova lua do planeta gigante. No final dos 100 dias, ela encerraria suas atividades.

5. Em que consistia o processo de hibernação?

R. Na indução da hibernação, um longo sono dos astronautas, que assim, ficariam inconscientes durante o período em que não fossem necessárias para a missão. Dessa forma, seriam poupados alimentos, objetos de consumo e outras despesas.

6. O que eram os monitores de EEG e para que serviam?

R. Eram as assinaturas eletrônicas dos astronautas hibernados. Marcavam a atividade cerebral dos astronautas, o grau de consciência durante a hibernação.

7. Quem sabia o verdadeiro propósito da missão?

R. Somente Hal conhecia o verdadeiro propósito da missão.

8. Qual é a importância do flashback para a construção da plausibilidade, isto é, para que o leitor aceite a ficção como uma verdade possível?

R. O flashback constrói uma plausibilidade, a verossimilhança (verdade), pelas combinações coerentes dos indicadores lógicos, tecnológicos e científicos narrados no flashback no Universo distorcido da ficção científica.

9. Onde termina o flashback?

R. Termina junto com o capítulo 15.

10. Quais marcas linguísticas indicam a volta ao mesmo momento inicial da narrativa?

R. "Mas agora".

11. O que se narra nesse capítulo e no seguinte?

R. O distanciamento progressivo da Discovery em relação ao planeta Terra.

12. Sequências descritivas podem permear as narrativas. É o que acontece no segundo, no terceiro e no quarto parágrafos do capítulo 16. Responda:

a) O que está sendo descrito?

R. A Terra vista pelo telescópio de alinhamento de antenas.

b) Trata-se de uma descrição objetiva ou subjetiva?

R. Subjetiva, pois a linguagem é mais emotiva.

c) De quem é o ponto de vista?

R. De David.

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