Formas e gêneros literários
Os textos apresentam-se em verso ou em prosa. Essas são as duas formas que as obras literárias podem ter. Quanto ao conteúdo, elas costumam ser agrupadas em três gêneros: narrativo, lírico e dramático.
Gênero narrativo
O texto é narrativo quando apresenta fatos que se ligam no tempo e no espaço por meio da movimentação de personagens. O encadeamento dos fatos narrados forma o enredo.
Em toda narrativa há alguém que conta o que acontece: o narrador. Ele pode ser uma das personagens ou um observador externo. Lembre-se de que o narrador não é o escritor, mas uma criação deste.
As ações das personagens acontecem no tempo. Numa narrativa, podem existir o tempo cronológico c o tempo psicológico.
O tempo cronológico é o tempo exterior, marcado pela passagem das horas, dos dias etc. Observando as indicações do narrador, percebemos que os fatos do enredo podem ser organizados numa sequência de antes c depois, isto é, numa sucessão temporal. Nem sempre esses fatos são narrados na sequência temporal em que aconteceram, mas sempre podemos reconstituir essa sequência.
Além do tempo cronológico, podemos perceber o tempo psicológico, que é o tempo interior, aquele que transcorre dentro das personagens: não pode ser medi do ou calculado. É o tempo da memória, das reflexões. Ao ler o conto apresentado a seguir, você vai en8 tender melhor alguns desses elementos da estrutura narrativa.
A partida
"Hoje, revendo minhas atitudes quando vim embora, reconheço que mudei bastante. Verifico também que estava aflito e que havia um fundo de mágoa ou desespero em minha impaciência. Eu queria deixar minha casa, minha avó e seus cuidados. Estava farto de chegar a horas certas, de ouvir reclamações; de ser vigiado, contemplado, querido. Sim, também a afeição de minha avó incomodava-me. Era quase palpável, quase como um objeto, uma túnica, um paletó justo que eu não pudesse despir.
Ela vivia a comprar-me remédios, a censurar minha falta de modos, a olhar-me, a repetir conselhos que eu já sabia de cor. Era boa demais, intoleravelmente boa e amorosa e justa.
Na véspera da viagem, enquanto eu a ajudava a arrumar as coisas na maleta, pensava que no dia seguinte estaria livre e imaginava o amplo mundo no qual iria desafogar-me: passeios, domingos sem missa, trabalho em vez de livros, mulheres nas praias, caras novas. Como tudo era fascinante! Que viesse logo. Que as horas corressem e eu me encontrasse imediatamente na posse de todos esses bens que me aguardavam. Que as horas voassem, voassem!
Percebi que minha avó não me olhava. A princípio, achei inexplicável que ela fizesse isso, pois costumava fitar-me, longamente, com uma ternura que incomodava. Tive raiva do que me parecia um capricho e, como represália, fui para a cama.
Deixei a luz acesa. Sentia não sei que prazer em contar as vigas do teto, em olhar para a
lâmpada. Desejava que nenhuma dessas coisas me afetasse e irritava-me por começar a entender que não conseguiria afastar-me delas sem emoção.
Minha avó fechara a maleta e agora se movia, devagar, calada, fiel ao seu hábito de fazer arrumações tardias. A quietude da casa parecia triste e ficava mais nítida com os poucos ruídos aos quais me fixava: manso arrastar de chinelos, cuidadoso abrir e lento fechar de gavetas, o tique-taque do relógio, tilintar de talheres, de xícaras.
Por fim, ela veio ao meu quarto, curvou-se: — Acordado?
Apanhou o lençol e ia cobrir-me (gostava disso, ainda hoje o faz quando a visito), mas pretextei calor, beijei sua mão enrugada e, antes que ela saísse, dei-lhe as costas.
Não consegui dormir. Continuava preso a outros rumores. E, quando estes se esvaíam, indistintas imagens me acossavam. Edifícios imensos, opressivos, barulho de trens, luzes, tudo a afligir-me, persistente, desagradável — imagens de febre.
Sentei-me na cama, as têmporas batendo, o coração inchado, retendo uma alegria dolorosa, que mais parecia um anúncio de morte. As horas passavam, cantavam grilos, minha avó tossia e voltava-se no leito, as molas duras rangiam ao peso de seu corpo. A tosse passou, emudeceram as molas; ficaram só os grilos e os relógios. Deitei-me.
Passava de meia-noite quando a velha cama gemeu: minha avó levantava-se. Abriu de leve a porta de seu quarto, sempre de leve entrou no meu, veio chegando e ficou de pé junto a mim. Com que finalidade? — perguntava eu. Cobrir-me ainda? Repetir-me conselhos? Ouvi-a então soluçar e quase fui sacudido por um acesso de raiva. Ela está olhando para mim e chorando como se eu fosse um cadáver — pensei. Mas eu não me parecia em nada com um morto, senão no estar deitado. Estado vivo, bem vivo, não ia morrer. Sentia-me a ponto de gritar. Que me deixasse em paz e fosse chorar longe, na sala, na cozinha, no quintal, mas longe de mim. Eu não estava morto.
Afinal, ela beijou-me a fronte e se afastou, abafando os soluços. Eu crispei as mãos nas grados de terro da cama, sobro as quais apoiei a testa ardente. E adormeci,
Acorde' pela madrugada. A principio com tranquilidade. e logo com obstinação, quis novamente dormir. Inútil, o sono esgotara-se. Com precaução, acendi um fósforo: passava das três. Restavam-me, portanto, menos de duas horas, POIS o trem chegaria ás cinco. Veio-me então o desejo de não passar nem uma hora mais naquela casa. Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e de amor, Com receio de fazer barulho, dirigi-me à cotinha, lavei o rosto, os dentes, penteei-me e, voltando ao meu quarto, vesti-me. Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama. Minha avó continuava dormindo. Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras... Que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus?
Ela estava encolhida, pequenina, envolta numa coberta escura. Toquei-lhe no ombro, ela se moveu, descobriu-se. Quis levantar-se e eu
procurei detê-la. Não era preciso, eu tomaria um café na estação. Esquecera de falar com um colega e, se fosse esperar, talvez não houvesse mais tempo. Ainda assim, levantou-se. Ralhava comigo por não tê-la despertado antes, acusava-se de ter dormido muito. Tentava sorrir.
Não sei por que motivo, retardei ainda a partida. Andei pela casa, cabisbaixo, à procura de objetos imaginários, enquanto ela me seguia, abrigada em sua coberta. Eu sabia que desejava beijar-me, prender-se a mim, e à simples ideia desses gestos, estremeci. Como seria se, na hora do adeus, ela chorasse?
Enfim, beijei sua mão, bati-lhe de leve na cabeça. Creio mesmo que lhe surpreendi um gesto de aproximação, decerto na esperança de um abraço final. Esquivei-me, apanhei a maleta e, ao fazê-lo, lancei um rápido olhar para a mesa (cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só se usava em nossos aniversários)."
LINS, Osman. In Antologia do conto brasileiro: do Romantismo ao Modernismo. São Paulo: Moderna.
Agora responda.
1. O conto "A partida" começa com um advérbio de tempo. Esse advérbio introduz a fala do narrador. Essa fala ocorre antes ou depois de sua partida da casa da avó?
2. O conto nos permite calcular quanto tempo se passou entre o momento em que ele faz a narração e o momento em que aconteceram os fatos narrados?
3. Que transformação interior provocou no narrador a passagem do tempo? Justifique sua resposta com trechos do texto.
Narrativas em verso
A epopeia, ou poema épico, é urna longa vá em verso acerca de um assunto grandioso e na qual sobressaem personagens heroicas, quase sempre representantes de uma coletividade. origem é muito antiga: o poema épico Gilgamesh foi escrito pelos sumérios, povo da Mesopotâmia, mais de 2 mil anos antes de Cristo.
A Ilíada e a Odisseia foram transmitidas oralmente o só ganharam versão escrita 200 anos depois de criadas, quando os gregos adotaram o alfabeto fenício. Nesta pintura de um antigo vaso grego, tomos a . representação do um dos episódios finais da Odisseia. o regresso do Ulisses.
Os mais famosos poemas épicos da literatura ocidental são a Ilíada e a Odisseia, atribuídos ao poeta grego Homero, que teria vivido no século IX a.C., e a Eneida, escrita pelo poeta latino Virgílio (70-19 a.C.).
Na história da literatura em língua portuguesa, merece destaque a obra Os lusíadas, epopeia de Luís de Camões.
Narrativas em prosa
Romance: É uma narrativa longa, com várias personagens que vivem diferentes conflitos ou situações dramáticas e cujos destinos se cruzam. Pode contar diferentes tipos de história. Por isso, há o romance policial, o histórico, o de aventuras etc.
Novela: É uma narrativa menos abrangente que o romance, composta de uma série de situações encadeadas, sempre articuladas em torno de uma personagem central.
Conto: É a narrativa mais breve e condensada de todas. Concentra-se em torno de uma personagem e desenvolve apenas uma história.
Fábula: É uma pequena narrativa com uma mensagem de fundo moral. As personagens das fábulas são, geralmente, animais que representam tipos humanos.
Gênero lírico
Dizemos que um texto pertence ao gênero lírico quando nele predomina a expressão do eu. Esse eu que fala no texto projeta seu mundo interior, expressando seus sentimentos, desejos e emoções, portanto, no texto lírico, que pode ser escrito cm prosa ou verso, ocorre a manifestação plena de uma individualidade. Eis um exemplo de texto lírico em verso:
Soneto de fidelidade
"De tudo ao meu amor serei atento
Antes e com tal zelo e sempre e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure."
MORAES, Vinicius de. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar.
O texto não apresenta um relato de ações encadeadas no tempo, nem conta uma história. O objetivo do poeta é falar de seu mundo interior, numa espécie de monólogo. Nele, o autor cria um eu que expressa sentimentos íntimos.
Embora o amor seja um dos temas mais frequentes, o texto lírico pode falar da angústia da vida, da dor da morte, do prazer de viver, da indignação diante de uma injustiça social etc. O que importa considerar é a postura de quem escreveu. Se é filtrado pela emoção do autor e traz a expressão de subjetividade, trata-se de um texto lírico. É o caso desta canção de Gilberto Gil:
Se eu quiser falar com Deus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor,
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou,
Tenho que virar um cão,
Tenho que lamber o chão
Dos palácios,
Dos castelos suntuosos
Do meu sonho,
Tenho que me
Tonho que me achar medonho,
E, apesar do tamanho,
Alegrar meu coração,
In Literatura comentada Abri',
Assim como não devemos confundir o narrador de um texto com a pessoa do escritor, não devemos confundir o "eu" que fala em um poema a pessoa do poeta que o escreveu, Para marcar bem essa diferença, o "eu" do texto costuma ser designado com as expressões "eu lírico" c "eu poético! Mas isso varia muito mesmo entre os críticos literários, que nem sempre usam essas expressões.
O importante é que você tenha consciência dessa distinção.
Gênero dramático
Em nossos dias, a palavra drama é muito usada para uma situação comovente, que envolve sofrimento ou aflição. Dizemos "o drama das crianças abandonadas", "o drama dos sem-terra", "o drama das vítimas das guerras". Em sua origem, porém, a palavra drama, que vem do grego drama, significava ação" e era usada com relação à arte teatral. E é isto que caracteriza o género dramático — o fato de apresentar a encenação de um texto. No espetáculo teatral, raramente há um narrador como num romance ou conto, São os atores que tomam a palavra e se apresentam diante dos espectadores, interpretando as personagens e fazendo evoluir a história,
Formas de expressão dramática
Entre as várias formas de expressão dramática, destacam-se:
Tragédia: Apresentações que despertam terror e piedade, a fim de impressionar os espectadores e alertá-los sobre as paixões e os vícios dos homens.
Comédia: Apresentações que têm por objetivo criticar a sociedade e o comportamento humano por meio do ridículo. O riso seria o efeito buscado pelo autor para provocar nos espectadores a reflexão sobre o que se passa no palco. Tanto a tragédia como a comédia foram criadas na Grécia antiga.
Farsa: É um tipo de peça teatral que surgiu por volta do século XIV. Em geral, é breve, tem poucas personagens e pretende provocar o riso explorando situações engraçadas e ridículas da vida cotidiana, apelando para a caricatura e os exageros.
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