Leia o texto abaixo e responda o que se pede:
Capítulo XVIII de A Escrava Isaura
Deplorável contingência, a que somos arrastados em conseqüência de uma instituição absurda e desumana!
O devasso, o libertino, o algoz, apresenta-se altivo e arrogante, tendo a seu favor a lei, e a autoridade, o direito e a força, lança a garra sobre a presa, que é objeto de sua cobiça ou de seu ódio, e pode frui-la ou esmagá-la a seu talante, enquanto o homem de nobre coração, de impulsos generosos, inerme perante a lei, aí fica suplantado, tolhido, manietado sem poder estender o braço em socorro da inocente e nobre vítima, que deseja proteger. Assim, por uma estranha aberração, vemos a lei armando o vício, e decepando os braços à virtude.
Estava pois Álvaro em presença de Leôncio como o condenado em presença do algoz. A mão da fatalidade o socalcava com todo o seu peso esmagador, sem lhe deixar livre o mínimo movimento.
Vinha Leôncio ardendo em fúrias de raiva e de ciúme, e prevalecendo-se de sua vantajosa posição, aproveitou a ocasião para vingar-se de seu rival, não com a nobreza de cavalheiro, mas procurando humilhá-lo à força de impropérios.
— Sei que há muito tempo, — disse Leôncio, continuando o diálogo que deixamos interrompido no capítulo antecedente, — V. S.ª retêm essa escrava em seu poder contra toda a justiça, iludindo as autoridades com falsas alegações, que nunca poderá provar. Porém agora venho eu mesmo reclamá-la e burlar os seus planos, e artifícios.
— Artifícios não, senhor. Protegi e protejo francamente uma escrava contra as violências de um senhor, que quer tornar-se seu algoz; eis aí tudo.
— Ah!... agora é que sei que qualquer aí pode subtrair um escravo ao domínio de seu senhor a pretexto de protegê-lo, e que cada qual tem o direito de velar sobre o modo por que são tratados os escravos alheios.
— V. S.a. está de disposição a escarnecer, e eu declaro-lhe que nenhuma vontade tenho de escarnecer, nem de ser escarnecido.
Confesso-lhe que desejo muito a liberdade dessa escrava, tanto quanto desejo a minha felicidade, e estou disposto a fazer todos os sacrifícios possíveis para consegui-la. Já lhe ofereci dinheiro, e ainda ofereço.
Dou-lhe o que pedir... dou-lhe uma fortuna por essa escrava. Abra preço...
— Não há dinheiro que a pague; nem todo o ouro do mundo, porque não quero vendê-la.
— Mas isso é um capricho bárbaro, uma perversidade...
-Seja capricho da qualidade que V. S.ª quiser; porventura não posso ter eu os meus caprichos, contanto que não ofenda direitos de ninguém?... porventura V. S.ª não tem também o seu capricho de querê-la para si?... mas o seu capricho ofende os meus direitos, e eis aí o que não posso tolerar.
1. Há uma neutralidade assumida pelo narrador em relação a Álvaro e Leôncio? Justifique.
2. De acordo com as leis daquele tempo, quem estava com a razão e por quê?
3. No texto, Álvaro critica a escravidão. Nesse trecho lido, o comportamento de Álvaro é coerente com a crítica feita?
Nenhum comentário:
Postar um comentário