sexta-feira, 27 de maio de 2022

INTERPRETAÇÃO DE TEXTO

 Leia o texto e responda o que se pede:


História de Trancoso

Joel Rufino dos Santos

Era uma vez um fazendeiro podre de rico, que viajava solitário.

— Ah, quem me dera encontrar por aí um companheiro de estrada...

Não é que encontrou? Num rancho em que parou para beber água, o fazendeiro achou um padre querendo seguir viagem, mas morria de medo.

— Pode-se saber de que vossa senhoria tem medo? — perguntou o fazendeiro.

— De curupira. Me avisaram que a estrada está assim deles.

— Não se avexe — falou o fazendeiro. — Comigo não tem curupira nem mané-curupira. Venha comigo.

Andaram que andaram. Quando já ia escurecendo, ouviram a mata bulir.

O padre se benzeu, o fazendeiro preparou a espingarda.

— Se for encantado vai virar peneira — avisou.

— Calma — gritou uma voz de taquara rachada. — É gente que aqui vai.

— Se é cristão se aproxime — gritou o padre, medrosão.

Era um roceiro montado num burro velho.

— Posso entrar nesse cortejo? — perguntou com respeito.

O roceiro tinha um só dente na frente e cara de bobo.

O fazendeiro e o padre torceram o nariz. Mas lá seguiram viagem.

Anda que anda, só os dois proseando.

O roceiro tinha lá papo para aquela conversa de doutor?

De quando em vez destampava uma moringa e bebia um gole d'água.

O padre e o fazendeiro morrendo de sede.

O padre não aguentou mais:

— Sou servido um gole desta água. Pra matar minha sede.

O roceiro emprestou a moringa ao padre.

O fazendeiro, porém, aguentou firme. O roceiro de quando em quando ofertava:

— Um golinho d'água, nhonhô? Tá fresca, fresca...

Até que o fazendeiro se entregou:

— Já que vosmicê tanto insiste, me dê cá a saborosa.

O fazendeiro não tinha era coragem de botar a boca onde o roceiro botava a sua.

Procurou um lugarzinho lascado, pensamentando: “Nesse lascado ele não deve usar”.

— Gozado, nhonhô — disse o roceiro. — É mesmo aí, nesse quebradinho, que acostumo de beber.

Os três viajantes pararam numa venda. Comeram jabá, com feijão e mandioca, depois um copo

de jurubeba.

Antes de dormir, não é que o dono da venda pegou um queijo de cabra e deu de presente pra eles?

Tão pequetitinho que nem dava para dividir.

O padre, que era muito sabido, deu uma ideia:

— Vamos dormir. Quem tiver o sonho mais bonito fica com o queijo.

Dormiram que Deus deu. No canto do primeiro galo pularam da cama, selaram os cavalos en-

quanto o roceiro ajeitava seu burro velho. Engoliram um café com vento... E pé na estrada.

A fome apertou, o padre foi contando o seu sonho:

— Sonhei com uma grande escada de ouro, cravejada de marfim. Começava juntinho do meu

travesseiro... Furava as nuvens lá em riba... Ia subindo, subindo... E sabem onde terminava?

— Não — respondeu o fazendeiro.

— No céu. Ninguém pode sonhar coisa mais bonita. Conforme combinado, o queijo é meu.

— Pois eu — disse o fazendeiro, picando o rolo de fumo — sonhei com um lugar iluminadão. Só

que não tinha lâmpadas.

— Como não tinha lâmpadas? — perguntou o padre.

— A luz nascia das coisas — explicou o fazendeiro.

— Vocês já viram um cacho de banana servindo de lustre? Pois nesse lugar tinha. Já viram areia

de prata de puro diamante? Pois era assim nesse lugar que sonhei.

— E pode-se saber que lugar era este? — perguntou o padre, sem jeitão.

— O céu. Você sonhou com a escada pro céu. Eu sonhei que já estava

lá. Conforme combinado, o queijo é meu.

O fazendeiro foi abrindo o surrão para pegar o queijo. Jacaré achou?

Nem ele.

— Ué! Onde se meteu o danado?

— Agora que vocês contaram o sonho — falou o roceiro —, tenho uma coisa pra contar.

O padre e o fazendeiro olharam o roceiro de banda.

— Cês não ouviram um barulho de noite? Pois era eu que me levantei pra comer o queijo.

Como vocês estavam no céu, achei que não precisavam mais do queijo.

Sabem quem era esse roceiro?

Trancoso.

SANTOS, Joel Rufino dos. O saci e o curupira e outras histórias

do folclore. São Paulo: Ática, 2017. p. 45-52.


VOCABULÁRIO

bulir: mexer-se, mover-se.

encantado: nesse contexto, equivale a um ser sobrenatural.

taquara: bambu.

jabá: carne bovina salgada e seca ao sol.

jurubeba: planta usada para fazer chá.

submisso: que aceita estar em uma posição inferior.

enojado: que sente nojo.

O conto lido é da tradição popular oral. É importante que ele seja lido também em voz alta, com muita expressividade.

1 Nesse conto popular destacam-se três personagens centrais. Como esses personagens são nomeados no texto?

2. Só um desses personagens foi caracterizado de acordo com a aparência física. Escreva o nome desse personagem e as características relacionadas a ele.

3 É possível perceber também as características da personalidade desses personagens, na leitura do conto?

4. Escreva o nome do personagem diante de cada uma das características. Em seguida, escreva a justificativa, ou seja, a razão pela qual você indicou aquele personagem.

a) O mais medroso.

b) O que procura demonstrar que é corajoso.

c) O que parecia ser o mais humilde ou submisso.

d) O que parecia ser o mais esperto.

e) O mais enojado.

f) O que foi realmente o mais esperto.


4.Releia estes dois trechos do conto:


Dormiram que Deus deu. No canto do primeiro galo pularam da cama, selaram os cavalos enquanto o roceiro ajeitava seu burro velho. Engoliram um café com vento... E pé na estrada.

A fome apertou, o padre foi contando o seu sonho:

— Cês não ouviram um barulho de noite? Pois era eu que me levantei pra comer o queijo. Como vocês estavam no céu, achei que não precisavam mais do queijo.

Responda às questões.

5. Quando o roceiro comeu o queijo, já sabia qual era o sonho de cada um dos companheiros? Explique sua resposta.

6. Que estratégia ele utilizou para justificar a posse do queijo?

7. O que você pensa da atitude de contar uma mentira e se utilizar da esperteza para ficar com o queijo?

8. No fim do conto o roceiro é identificado pelo narrador como Trancoso. Ele é o personagem principal da história? Justifique sua resposta com base em elementos do conto.

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