Conto: é uma narrativa literária curta. Seu enredo é condensado, há poucas personagens, que vivem os fatos num único lugar (ou em poucos lugares) e, na maioria das vezes, num curto espaço de tempo. O enredo é dinâmico, conciso e gira em torno de um único conflito.
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O irmão imaginário
Moacyr Scliar
Até os nove anos, Paulinho foi filho único. Filho único e muito amado.
Os pais não eram ricos - o pai era mecânico, a mãe trabalhava como caixa
num supermercado -, mas cuidavam do menino com o maior carinho;
colocaram-no numa boa escola, compravam-lhe roupas, brinquedos, livros.
Era como se quisessem indenizá-lo pelo fato de ser filho único.
Paulinho não sabia porque os pais não haviam lhe dado um irmão ou uma
irmã. Algum problema havia; muitas vezes surpreendia os dois sentados
lado a lado na sala, muito tristes, a mãe frequentemente com os olhos
vermelhos de choro. Nas poucas vezes que perguntou a respeito, recebeu
respostas evasivas; logo se deu conta de que aquele era um assunto
difícil, sobre o qual não poderia falar.
Mas a verdade é que, mesmo tendo amigos - e ele tinha muitos amigos na
vizinhança - Paulinho sentia-se só. Precisava de companhia. Precisava de
um irmão com quem pudesse partilhar suas dúvidas, suas aflições, seus
sonhos também.
Acabou por criar um irmão imaginário.
Chamava-se Joel. Porque escolhera esse nome, não saberia dizer;
ocorrera-lhe de repente, e pronto, Joel passara a existir. Mas não
morava na casa, junto com a família; com tábuas e lona, Paulinho
construiu para ele uma cabana, no fundo do pátio. Era uma cabana
pequena, mas servia bem: como Paulinho, Joel era pequeno e magro. Na
verdade os dois eram idênticos, quase como se fossem gêmeos.
Todos os dias Paulinho visitava Joel. Entrava na cabana escura e ali
ficava, sentado ao lado do irmão imaginário. Falava horas; contava
coisas sobre os pais, sobre os amigos, sobre a escola... Era um
monólogo, porque Joel nunca respondia. Não era preciso; tudo o que
Paulinho queria do irmão imaginário era que ele o ouvisse. E tinha
certeza de que Joel era um ouvinte atento, como um verdadeiro irmão deve
ser. Atento e inspirador: Paulinho fazia-lhe uma pergunta - e de
imediato a resposta lhe ocorria. E era sempre a resposta certa, a
resposta confortadora.
Vários anos se passaram assim. Anos felizes, mas com momentos de
apreensão. Cada vez que caía um temporal, por exemplo, Paulinho entrava
em pânico: como estaria o Joel em sua cabana? Não estaria assustado,
molhado de chuva? Não foi uma nem duas noite que correu para o fundo do
pátio, debaixo do aguaceiro, para se certificar de que estava tudo bem,
que a cabana continuava no lugar.
Os pais não desconfiavam de nada. Achavam que a cabana era um lugar de
brinquedo do filho, só isso. Paulinho nunca lhes falou do irmão
imaginário; era um segredo dele, não podia ser partilhado.
Mas então um dia aconteceu. Poucos dias antes de Paulinho completar dez
anos, os pais o chamaram. Vacilando muito, o pai lhe disse que, durante
todos aqueles anos, eles tinham tentado dar ao filho um irmão ou uma
irmã, mas por vários problemas não o haviam conseguido. Agora, porém,
tinham chegado a uma decisão: Paulinho ganharia, sim, um irmão. Adotivo.
-Até pensamos num nome - disse a mãe, emocionada. - Um nome do qual sempre
gostamos. Mas caberá a você decidir. O que você acha de chamarmos seu
irmãozinho de Joel?
Os olhos cheios de lágrimas, Paulinho fez que sim com a cabeça. Mais
tarde, foi até a cabana. Entrou, contou o que havia sucedido ao irmão
imaginário. Que, como de costume, nada disse. Mas quando Paulinho estava
saindo, ouviu uma voz sussurrando baixinho:
-Seja feliz, Paulinho, com seu irmão.
E nesse momento ele teve a certeza de que seria feliz, muito feliz, com o irmão Joel.
1. Na literatura, flashback é a interrupção da sequência cronológica para introdução de fatos ocorridos anteriormente. Em quais parágrafos do texto lido ocorre flashback? R. Do 2º ao 9º parágrafos.
2. Nem todos gostam de ser filho único. Paulinho, por exemplo, não gostava. Por que Paulinho era filho único e quais eram as consequências desse fato? R. Os pais não conseguiam ter outro filho, resultando em tristeza para eles; além da solidão de Paulinho, daí ele criou um irmão imaginário.
3. Paulinho tinha bons amigos, mas esse relacionamento não lhe era suficiente. O que o menino buscava na figura de Joel, o irmão imaginário? R. Um confidente e amigo, com quem conversaria livremente, contando seus segredos, problemas e alegrias.
4. Após vários anos, os pais de Paulinho decidiram adotar um menino. Por que a emoção de Paulinho foi tão intensa, nesse momento? R. O grande sonho de ter um irmão se tornaria realidade.
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