PEDRO E PAULO
O primogênito paga o preço de nossa inexperiência, insegurança e burrada
Hoje tenho dois filhos de idades, feições e mães diferentes. E os amo
por igual. Pedro, o caçula, prestes a trocar suas fraldas por cuecas, é
de uma timidez cativante. Paulo, por sua vez, o mais velho, é o
adolescente padrão: hormônios, inconstância, doçura, ansiedade... Cada
um é um, mas, repito, eu os amo por igual. Se tivesse, porém, de dizer
qual deles mais me enternece, escolheria o primogênito.
A razão? Bem, antes de mais nada, por ter sido ele o primeiro. Paulo
levantou o véu. Fez de mim um pai.
O primogênito desperta em nós um impulso darwinista: o de zelar para
que essa criatura, um candidato a cidadão gerado com a fricção de nossos
corpos, não morra -de medo, fome, frio ou sarampo. Esse papo pode soar
estranho, mas é como funcionam as pulsões básicas graças às quais nossa
espécie sobreviveu enquanto tantas outras desapareciam.
O primogênito é também nosso maior laboratório de acertos e burradas.
Paulo não fugiu à sina. Foi meu órgão de choque; a cobaia involuntária
de meus avanços e retrocessos na vida. Absorveu meus deslizes, minhas
fantasias e mágoas. Foi um bravo!
Outro detalhe, aos meus olhos paternos, o torna um herói. Como a maioria
dos garotos de sua idade, Paulo integra a primeira geração
pós-divórcio. Com pai e mãe apartados, teve de se habituar a ver a vida
por um prisma bifocal. No início, brigou feito um leão para manter seu
mundinho intacto -e seus pais, juntos. Depois, vencido, resignou-se.
Pergunto-me se eu, criança, teria sido tão forte.
Por vários anos após a separação, mantive com ele uma relação delicada:
cobranças, projeções, carências de parte a parte... Na festa de meu
segundo casamento, vi claramente a satisfação e o desalento se
misturarem em seus olhos azuis. A primeira devia-se ao fato de me ver
feliz. O segundo, à constatação de que, naquele instante, a cisão de seu
mundo se sacramentara de vez.
Aquele seu olhar marejado me perseguiu silenciosamente durante a gestação de Pedro. Como reagiria Paulo?
Pois ele foi o primeiro a chegar à maternidade na manhã em que seu
irmão nasceria. Mais tarde, longe de exasperar-se por ter de dividir o
quarto na casa paterna com um bebê, presenteou o maninho com duas
Ferraris em miniatura que eu mesmo lhe dera anos antes. Que quarto,
aquele... Kurt Cobain num canto. Buzz Lightyear no outro.
Vi, enfim, que Paulo crescera -e aquilo pedia uma comemoração. No
Carnaval viajamos, só nós dois, para a Itália. No Al Ceppo, um delicioso
restaurante romano, eu lhe propus duas coisas: que tomássemos juntos um
copo de vinho (talvez seu primeiro) e que ele fosse padrinho do irmão.
Quando crescer, Pedro provavelmente abençoará essa escolha -se, como eu,
perceber que, em muitos aspectos, foi graças ao brother que lhe coube a
fatia mais doce desse bolo chamado paternidade.
JOSÉ RUY GANDRA, jornalista e historiador, é pai de Paulo e Pedro, e avô de Rodrigo.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0208201108.htm
O Relato Pessoal é um gênero textual oral ou escrito em que são relatadas experiências que já foram ou estão sendo vividas pelo autor. É o gênero textual em qeu alguém conta fatos de sua vida. Sua função é registrar as experiências vividas, de maneira que sirvam como testemunho, fonte de consulta ou aprendizado para outras pessoas.
Releia essas frases e responda o que se pede:
Cada um é um, mas, repito, eu os amo por igual.
Pergunto-me se eu, criança, teria sido tão forte.
1. Em que tempo verbal estão os verbos destacados? R. Presente, porque as ações ocorrem no momento em que o autor relata os fatos.
2. Os verbos e os pronomes estão empregados em que pessoa do discurso? R. Na 1ª pessoa.
3. Em todo o texto, os fatos são relatados no momento presente? R. Não, há passagens que são relatos de fatos passados e alguns verbos no passado.
4. Quais são os aspectos do autor que estão destacados no texto? R. A experiência de ser pai.
5. A linguagem pode variar conforme o perfil de quem relata, de seus interlocutores e do lugar onde circulará o texto. Nesse aspecto, qual é o tipo de linguagem que o texto apresenta? Por quê? R. É uma linguagem formal (sem gírias), porque foi escrito em um jornal de grande circulação nacional.
6. O que significa as palavras do pai ao dizer que o primogênito é "o adolescente padrão"? R. Porque ele tem suas transformações e seu temperamento muito comum de adolescentes.
7. Em todo o relato se percebe a admiração do pai pelo filho primogênito. O que podemos concluir quando o pai pede a Paulo para ser padrinho do irmão? R. Demonstra confiança e que o filho mais novo respeita Paulo.
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