https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdkEVPxoE1QgaHvU-UPdrc-gnIkUoa-mKtJ-vnxlH0igJUALV0Km7alS1e6lrSJVJChe9HPO8oJOL6Hor48YleOeFXbFKXU1hOVvzuuoxGye0kSxOkKuhWhrpspD5ozphrSwj985Yobkzv/s1600/compras-miami.jpg
Coisas&Pessoas
Desde pequeno, tive tendência para personificar as coisas. Tia Tula, que achava que mormaço fazia mal, sempre gritava: “Vem pra dentro, menino, olha o mormaço!” Mas eu ouvia o mormaço com M maiúsculo. Mormaço, para mim, era um velho que pegava crianças! Ia pra dentro logo. E ainda hoje, quando leio que alguém se viu perseguido pelo clamor público, vejo com estes olhos o Sr. Clamor Público, magro, arquejante, de preto, brandindo um guarda-chuva, com um gogó protuberante que se abaixa e levanta no excitamento da perseguição. E já estava devidamente grandezinho, pois devia contar uns trinta anos, quando me fui, com um grupo de colegas, a ver o lançamento da pedra fundamental da ponte Uruguaiana-Libres, ocasião de grandes solenidades, com os presidentes Justo e Getúlio, e gente muita, tanto assim que
fomos alojados os do meu grupo num casarão que creio fosse a Prefeitura, com os demais jornalistas do Brasil e Argentina.
Era como um alojamento de quartel, com breve espaço entre as camas e todas as portas e janelas abertas, tudo com os alegres incômodos e duvidosos encantos de uma coletividade democrática. Pois lá pelas tantas da noite, como eu pressentisse, em meu entredormir, um vulto junto à minha cama, sentei-me estremunhado e olhei atônito para um tipo de chiru, ali parado, de bigodes caídos, pala pendente e chapéu descido sobre os olhos. Diante da minha muda interrogação, ele resolveu explicar-se, com a devida calma:
– Pois é! Não vê que eu sou o sereno...fomos alojados os do meu grupo num casarão que creio fosse a Prefeitura, com os demais jornalistas do Brasil e Argentina.
Era como um alojamento de quartel, com breve espaço entre as camas e todas as portas e janelas abertas, tudo com os alegres incômodos e duvidosos encantos de uma coletividade democrática. Pois lá pelas tantas da noite, como eu pressentisse, em meu entredormir, um vulto junto à minha cama, sentei-me estremunhado e olhei atônito para um tipo de chiru, ali parado, de bigodes caídos, pala pendente e chapéu descido sobre os olhos. Diante da minha muda interrogação, ele resolveu explicar-se, com a devida calma:
E eis que, por um milésimo de segundo, ou talvez mais, julguei que se tratasse do silêncio noturno em pessoa. Coisas do sono? Além disso, o vulto, aquele penumbroso e todo em linhas descendentes, ajudava a ilusão. Mas por que desculpar-me? Quase imediatamente compreendi que o "sereno" era um vigia noturno, uma espécie de anjo da guarda crioulo e municipal.
Por que desculpar-me, se os poetas criaram os deuses e semideuses para personificar as coisas, visíveis e invisíveis... E o sereno da Fronteira deve andar mesmo de chapéu desabado, bigode, pala e de pé no chão... sim, ele estava mesmo de pés descalços, decerto para não nos perturbar o sono mais ou menos inocente.
Mário Quintana, As cem melhores crônicas brasileiras
1. A inspiração para um crônica pode vir de várias fontes: da vida do próprio cronista, de fatos que ele observa ou mesmo do noticiário. Nesse caso, que aspecto da vida do cronista serviu de ponto de partida para o desenvolvimento do texto? R. O hábito que o narrador tinha de personificar as coisas.
2. Segundo o narrador, sua tendência de personificar as coisas começou na infância. Por que ele diz que, quando a tia gritava a palavra mormaço, imaginava-a com M maiúsculo? R. Ele imagina o mormaço com uma pessoa, logo teria nome próprio.
3. O curioso costume do narrador continuou pela vida afora. De acordo com o texto, que profissão o narrador passou a exercer já adulto? R. Ele virou jornalista, porque ele fala "e com os demais jornalistas do Brasil e da Argentina".
4. No trecho: "Além disso, o vulto, aquele penumbroso e todo em linhas descendentes ajudava a ilusão". O que significa "linhas descendentes"? R. Traços que se direcionam de cima para baixo.
5. Por que o narrador descreve o vulto avistado no alojamento como tendo "linhas descendentes"? R. O homem tinha bigodes caídos, pala pendente e chapéu descido sobre os olhos. Tudo no homem apontava para baixo.
6. O narrador se questiona se deveria desculpar-se ou não por sua tendência em ver pessoas onde havia coisas. Que fato diferente ocorreu que o fez pensar por um instante em desculpar-se? R. Ele confundiu o sereno da noite com o sereno que era um vigia.
7. A crônica pode ter como objetivo fazer o leitor refletir, de forma crítica, sobre o tema abordado, ou apenas entreter esse leitor. Qual é o objetivo da crônica lida? R. Entreter ou divertir o leitor, pois os fatos são narrados com bom humor.
52
ResponderExcluirajudou muito no dever de casa rsrsrs
ResponderExcluir