sábado, 23 de dezembro de 2017

Interpretação da Crônica de Mario Quintana Coisas&Pessoas

Crônica é um tipo de texto que aborda um tema do cotidiano, publicadas em jornal ou revistas. É uma narrativa curta e leve, quase sempre inspirada em fatos do cotidiano ou do noticiário, cujo objetivo é divertir o leitor e/ou fazê-lo refletir.

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                                          Coisas&Pessoas

Desde  pequeno,  tive  tendência  para personificar   as   coisas.   Tia   Tula,   que achava  que  mormaço  fazia  mal,  sempre gritava: “Vem pra dentro, menino, olha o mormaço!”   Mas   eu   ouvia   o   mormaço com  M  maiúsculo.  Mormaço,  para  mim, era um velho que pegava crianças! Ia pra dentro  logo.  E  ainda  hoje,  quando  leio que alguém se viu perseguido pelo clamor público, vejo com estes olhos o Sr. Clamor Público,   magro,   arquejante,   de   preto, brandindo  um  guarda-chuva,   com  um gogó protuberante que se abaixa e levanta no excitamento da perseguição. E já estava  devidamente  grandezinho,  pois  devia contar  uns  trinta  anos,  quando  me  fui, com um grupo de colegas, a ver o lançamento  da  pedra  fundamental  da  ponte Uruguaiana-Libres,  ocasião  de  grandes solenidades,  com  os  presidentes  Justo  e Getúlio,  e  gente  muita,  tanto  assim  que
fomos alojados os do meu grupo num casarão que creio fosse a Prefeitura, com os demais jornalistas do Brasil e Argentina.
Era como um alojamento de quartel, com breve  espaço  entre  as  camas  e  todas  as portas e janelas abertas, tudo com os alegres  incômodos  e  duvidosos  encantos  de uma coletividade democrática. Pois lá pelas tantas da noite, como eu pressentisse, em  meu  entredormir,  um  vulto  junto  à minha cama, sentei-me estremunhado e olhei  atônito para um tipo de chiru, ali parado, de bigodes caídos, pala pendente e  chapéu  descido  sobre  os  olhos.  Diante da  minha  muda  interrogação,  ele  resolveu explicar-se, com a devida calma:
– Pois é! Não vê que eu sou o sereno...
E eis que, por um milésimo de segundo, ou talvez mais, julguei que se tratasse do silêncio noturno em pessoa. Coisas do sono? Além disso, o vulto, aquele penumbroso e todo em linhas descendentes, ajudava a ilusão. Mas por que desculpar-me? Quase imediatamente compreendi que o "sereno" era um vigia noturno, uma espécie de anjo da guarda crioulo e municipal.
Por que desculpar-me, se os poetas criaram os deuses e semideuses para personificar as coisas, visíveis e invisíveis... E o sereno da Fronteira deve andar mesmo de chapéu desabado, bigode, pala e de pé no chão... sim, ele estava mesmo de pés descalços, decerto para não nos perturbar o sono mais ou menos inocente.

                                                                           Mário Quintana, As cem melhores crônicas brasileiras

1. A inspiração para um crônica pode vir de várias fontes: da vida do próprio cronista, de fatos que ele observa ou mesmo do noticiário. Nesse caso, que aspecto da vida do cronista serviu de ponto de partida para o desenvolvimento do texto? R. O hábito que o narrador tinha de personificar as coisas.

2. Segundo o narrador, sua tendência de personificar as coisas começou na infância. Por que ele diz que, quando a tia gritava a palavra mormaço, imaginava-a com M maiúsculo? R. Ele imagina o mormaço com uma pessoa, logo teria nome próprio.

3. O curioso costume do narrador continuou pela vida afora. De acordo com o texto, que profissão o narrador passou a exercer já adulto? R. Ele virou jornalista, porque ele fala "e com os demais jornalistas do Brasil e da Argentina".

4. No trecho: "Além disso, o vulto, aquele penumbroso e todo em linhas descendentes ajudava a ilusão". O que significa "linhas descendentes"? R. Traços que se direcionam de cima  para baixo.

5. Por que o narrador descreve o vulto avistado no alojamento como tendo "linhas descendentes"? R. O homem tinha bigodes caídos, pala pendente e chapéu descido sobre os olhos. Tudo no homem apontava para baixo.

6. O narrador se questiona se deveria desculpar-se ou não por sua tendência em ver pessoas onde havia coisas. Que fato diferente ocorreu que o fez pensar por um instante em desculpar-se? R. Ele confundiu o sereno da noite com o sereno que era um vigia.

7. A crônica pode ter como objetivo fazer o leitor refletir, de forma crítica, sobre o tema abordado, ou apenas entreter esse leitor. Qual é o objetivo da crônica lida? R. Entreter ou divertir o leitor, pois os fatos são narrados com bom humor.

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