Leia o texto e faça o que se pede:
Vida em
família
[...]
Julinho provoca o pai que mal desviou o olhar do
prato à sua chegada.
A provocação dissimulada era uma das táticas
preferidas de guerrilha familiar no confronto não-declarado com Alberto, em
constante desacordo sobre sua forma de viver e pensar o mundo.
O garoto permanecia ali, imóvel, expondo-se como
um manequim de vitrine e nem Vera nem Alberto percebiam seus pés descalços.
Entre dentadas e comentários tão triviais quanto
o repasto, a mãe anunciou uma surpresa, mas antes que pudesse dizê-la, o filho
agitou os dedos do pé, acenando para sua desatenção.
— Você está sem sapatos, filho! Que houve?
Julinho esboçou um sorriso sarcástico,
agradecendo enfim pela observação, fixou o polegar esquerdo na palma da mão
direita e girou os dedos
no clássico gesto que significa “roubo”. Vera
pulou da cadeira:
— Meu Deus! Você foi assaltado!
— De novo? — reagiu o pai, largando o osso e
chupando os dedos.
— Foi agora? Como? Onde? Fala! Diz!
— O pivete me abordou ali na ciclovia da Lagoa e
com uma faca nas mãos mandou que eu tirasse o tênis.
— Tênis? Aquele tênis que eu trouxe dos Estados
Unidos mês passado?
– assombrou-se o pai. — Que custou uma
fortuna...?
O garoto concordou com a cabeça, sem dizer
palavra, sem alargar os gestos, represando emoção. Era o terceiro assalto que
sofria e, para quem
acabara de ver o brilho de uma lâmina
espetando-lhe as costelas, demonstrava uma tranquilidade irritante. Talvez por
entender que os assaltos são parte da rotina
da vida. Talvez por desconhecer o preço de um
tênis Platinum, de série limitada.
Julinho tornava-se espectador da sua própria
cena. Enquanto os pais discutiam o melhor comportamento a seguir diante de um
assaltante empunhando
uma arma branca, ele revia seu algoz na telinha
da imaginação. Uma visão parcial, encoberta pelas sombras da noite que não lhe
permitiam distinguir outros traços
além dos olhos verdes e a cara de lua cheia. O
garoto já o percebera antes, no mesmo local, sempre sozinho, a olhar o céu,
distraído demais para infundir
temor aos passantes. Desta vez, o mulato alto e
magro como Julinho fazia-se acompanhar por um bando de meninos maltrapilhos
que, bem mais baixos, lembravam jogadores de um time infantil à volta de um
treinador adulto. O garoto surpreendeu-se com a abordagem, é fato, mas muito
mais com o comportamento
do assaltante que parecia ensinar aos pirralhos o
modo correto de praticar um assalto.
— E vai ficar por isso mesmo? — a voz de Alberto
adquiriu um tom de afronta.
Julinho respondeu com um leve movimento de
ombros, murmurando por entre os dentes: “Deixa pra lá, pai”. Foi o que faltava
para Alberto pôr sua raiva em movimento:
— Deixa pra lá? Você fala assim porque o
dinheiro não sai do seu bolso. É por isso que a violência não diminui.
Ninguém dá queixa. Ninguém faz nada. Todo mundo
deixa pra lá! Eu não vou deixar! Eu não vou deixar! — e repetiu escandindo as
sílabas:
— Não vou deixar!
O garoto ouviu-o impassível, sem autoridade para
contestá-lo, mas Vera reagiu chamando o marido à razão:
— Alberto! Você não vai sair por aí feito um
maluco por causa de um par de tênis!
— Podia ser um grampo! — esbravejou. — De hoje
em diante, vou atrás do que é meu, seja lá o que for. Não aguento mais ser
saqueado por essa bandidagem. Já foi carro, relógio, bolsa, rádio...
Alberto ajeitou-se na cadeira e, assumindo ares
de delegado de polícia, espetou o dedo indicador na mesa perguntando ao filho
em que ponto da ciclovia exatamente ocorreu o assalto. Julinho preferiu baixar
os olhos e
continuar em silêncio, que ele conhecia muito
bem o temperamento do pai e não queria vê-lo envolvido em mais violência.
Alberto aguardou a resposta e, sem obtê-la, ergueu-se impetuoso:
— Muito bem! Você não diz, mas eu vou descobrir.
Vou à Polícia, à Interpol, ao Exército, onde for preciso, mas vou trazer esse
tênis de volta ou não me chamo Alberto Calmon! De agora em diante, vai ser na
lei do cão!
Julinho olhou para os pés descalços e, por
alguma razão, pensou no tênis, apenas um calçado para ele, talvez um pequeno
sonho para o pivete. Estranho pensamento. [...]
Carlos Eduardo Novaes. O Imperador da Ursa
Maior. São Paulo: Ática, 2000. (Fragmento).
1. Julinho e o pai não se entendiam
muito bem. Qual fato pode comprovar essa afirmação?
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2. Segundo o texto, a tensão familiar
concentrava-se na relação entre Julinho e seu pai, Alberto. De que maneira
Julinho provocava o pai?
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3. Por que Alberto e o filho não se davam bem?
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4. Apesar do susto, Julinho mantinha-se
aparentemente calmo e ironizava a situação. Por que Julinho procurou não
revelar suas emoções?
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5. O narrador descreve a tranquilidade do menino
como 'irritante'. Ela era irritante para quem?
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6. "Julinho tornava-se espectador da sua
própria cena". De que cena ele estava sendo espectador?
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7. Por que o narrador classifica o pensamento de
Julinho como "estranho"?
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Leia o texto e faça o que se pede:
O celular que escraviza
Eles roubam nosso tempo, atrapalham os
relacionamentos e podem até causar acidentes de trânsito. Quando é a hora de
desligar? Estamos viciados. Em qualquer lugar, a qualquer momento do dia,
não conseguimos deixar de lado o objeto de nossa dependência. Dormimos ao
lado dele, acordamos com ele, o levamos para o banheiro e para o café da manhã
– e se, por enorme azar, o esquecemos em casa ao sair, voltamos correndo.
Somos incapazes de ficar mais de um minuto sem olhar para ele. É através
dele que nos conectamos com o mundo, com os amigos, com o trabalho. Sabemos da
vida de todos e informamos a todos o que acontece por meio dele. Os
neurocientistas dizem que ele nos fornece pequenos estímulos prazerosos dos
quais nos tornamos dependentes. Somos 21 milhões – número de brasileiros
com mais de 15 anos que têm smartphones, os celulares que fazem
muito mais que falar. Com eles, trocamos e-mails, usamos programas de GPS
e navegamos em redes sociais. O tempo todo. Observe ao seu redor. Em
qualquer situação, as pessoas param, olham a tela do celular, dedilham uma
mensagem. Enquanto conversam. Enquanto namoram. Enquanto participam de uma
reunião. E – o pior de tudo – até mesmo enquanto dirigem.
O pai de todos os vícios, claro, é o Facebook,
maior rede social do mundo, onde publicamos notícias sobre nós mesmos como
se alimentássemos um grande jornal coletivo sobre a vida cotidiana.
O final dessa história pode ser
dramático. Interagir com o aparelho – e com centenas de amigos escondidos sob a
tela de cristal – tornou-se para alguns uma compulsão tão violenta que
pode colocar a própria vida em risco. Parece exagero? Pense na história da
garota americana Taylor Sauer, de 18 anos. Em janeiro, Taylor dirigia numa
rodovia interestadual que liga os Estados de Utah e Idaho quando bateu a
130 quilômetros por hora na traseira de um caminhão. Ela trocava mensagens
com um amigo sobre um time de futebol americano. Uma a cada 90 segundos. Seu
último post foi: “Não posso discutir isso agora. Dirigir e
escrever no Facebook não é seguro! Haha.” Se não estivesse teclando,
provavelmente teria avistado o veículo à frente, que andava a meros 25
quilômetros por hora. (...) No Brasil não é diferente – pelo menos é a
impressão dos profissionais que trabalham na área. Mais de 1.600
pessoas são multadas todo dia por esse motivo só no Estado de
São Paulo. (...) Quando a multa sobre usar celular no trânsito foi criada,
não existiam os smartphones. Os
pesquisadores usaram um simulador para medir a reação dos motoristas
em diferentes circunstâncias. Quem estava distraído com redes sociais no
celular teve uma reação 38% mais lenta a um imprevisto, como a freada
abrupta de um carro à frente. Quem fuma maconha ficou com 21% mais lento.
Os reflexos daqueles que beberam entre três e quatro latas de cerveja
foram atrasados em 12%.
(BARIFOUSE,
Rafael. O celular que escraviza. Revista Época, 11 de junho de 2012. Com
adaptações)
8. No texto em estudo, observa-se que após a leitura
do texto, é possível afirmar que o autor NÃO
a) denuncia a relação
perigosa entre celular e a ação de dirigir veículos.
b) relaciona as ações do cotidiano
com o uso do celular.
c) apresenta pesquisas de
informar o leitor.
d) se posiciona contra o
uso do celular nas situações do dia-a-dia.
Boa Prova!
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