O celular que escraviza
Eles roubam nosso tempo, atrapalham os
relacionamentos e podem até causar acidentes de trânsito. Quando é a hora de
desligar? Estamos viciados. Em qualquer lugar, a qualquer momento do dia,
não conseguimos deixar de lado o objeto de nossa dependência. Dormimos ao
lado dele, acordamos com ele, o levamos para o banheiro e para o café da manhã
– e se, por enorme azar, o esquecemos em casa ao sair, voltamos correndo.
Somos incapazes de ficar mais de um minuto sem olhar para ele. É através
dele que nos conectamos com o mundo, com os amigos, com o trabalho. Sabemos da
vida de todos e informamos a todos o que acontece por meio dele. Os
neurocientistas dizem que ele nos fornece pequenos estímulos prazerosos dos
quais nos tornamos dependentes. Somos 21 milhões – número de brasileiros
com mais de 15 anos que têm smartphones, os celulares que fazem
muito mais que falar. Com eles, trocamos e-mails, usamos programas de GPS
e navegamos em redes sociais. O tempo todo. Observe ao seu redor. Em
qualquer situação, as pessoas param, olham a tela do celular, dedilham uma
mensagem. Enquanto conversam. Enquanto namoram. Enquanto participam de uma
reunião. E – o pior de tudo – até mesmo enquanto dirigem.
“É uma dependência difícil de eliminar.”, diz
o psiquiatra americano David Greenfield, diretor do Centro para Tratamento
de Vício em Internet e Tecnologia, na cidade de West Hartford. “Nosso
cérebro se acostuma a receber essas novidades constantemente e passa a
procurar por elas a todo instante.”. O pai de todos os vícios, claro, é o
Facebook, maior rede social do mundo, onde publicamos notícias sobre nós
mesmos como se alimentássemos um grande jornal coletivo sobre a vida cotidiana.
Depois dele, novas redes foram criadas e
apertaram o nó da dependência. Programas de troca de fotos como o Instagram
conectam milhões de pessoas por meio das imagens feitas pelas câmeras
cada vez mais potentes dos celulares. Os aplicativos de troca de mensagem,
como o Whatsapp, promovem bate-papos escritos que se assemelham a uma conversa
na mesa do bar. O final dessa história pode ser dramático. Interagir com o
aparelho – e com centenas de amigos escondidos sob a tela de cristal – tornou-se
para alguns uma compulsão tão violenta que pode colocar a própria vida em
risco. Parece exagero? Pense na história da garota americana Taylor Sauer,
de 18 anos. Em janeiro, Taylor dirigia numa rodovia interestadual que liga
os Estados de Utah e Idaho quando bateu a 130 quilômetros por hora na traseira
de um caminhão. Ela trocava mensagens com um amigo sobre um time de
futebol americano. Uma a cada 90 segundos. Seu último post foi: “Não posso
discutir isso agora. Dirigir e escrever no Facebook não é seguro!
Haha.” Se não estivesse teclando, provavelmente teria avistado o veículo
à frente, que andava a meros 25 quilômetros por hora.
(...) No Brasil não é diferente – pelo menos é
a impressão dos profissionais que trabalham na área.
“Minha experiência sugere que essa é a quarta maior causa de
acidentes, só atrás do excesso de velocidade, uso de álcool e drogas e
cansaço”, diz Dirceu Júnior, diretor da Associação Brasileira de Medicina
de Tráfego. Não custa lembrar que dirigir usando celular é passível de multa,
segundo o Código de Trânsito Brasileiro, de 1997. A gravidade da infração é
média: R$ 85,13 no bolso e 4 pontos na carteira de habilitação. Mas a
punição não inibe os dependentes do celular. Mais de 1.600 pessoas são
multadas todo dia por esse motivo só no Estado de São
Paulo. (...) Quando a multa sobre usar celular no trânsito foi criada, não
existiam os smartphones. Se dirigir falando ao celular era perigoso, com
os smartphones o perigo se multiplicou. Teclar é incompatível com guiar um
carro. A área do cérebro encarregada da concentração necessária para
escrever, o lobo frontal, é a mesma responsável por manter a atenção na pista e
nos veículos à frente. O cérebro só faz bem uma coisa ou outra. Um estudo
do Instituto de Transportes da Universidade Tecnológica da Virgínia, nos
Estados Unidos, revela a magnitude da distração causada por esse hábito.
Dirigir falando ao telefone duplica o risco de um acidente. Quando se
tecla, o risco se multiplica por 23.
Dirigir mexendo no celular é mais perigoso até
do que sob o efeito do álcool ou drogas, segundo o Institute of
Advanced Motorists, entidade de segurança do trânsito do Reino Unido. Os
pesquisadores usaram um simulador para medir a reação dos motoristas
em diferentes circunstâncias. Quem estava distraído com redes sociais no
celular teve uma reação 38% mais lenta a um imprevisto, como a freada
abrupta de um carro à frente. Quem fuma maconha ficou com 21% mais lento.
Os reflexos daqueles que beberam entre três e quatro latas de cerveja
foram atrasados em 12%.
(BARIFOUSE,
Rafael. O celular que escraviza. Revista Época, 11 de junho de 2012. Com
adaptações)
· O texto
é uma estrutura composta de frases e/ou imagens que se relacionam, formando um
sentido completo, de acordo com o contexto em que foram
produzidas. No texto em estudo, observa-se que após a leitura do
texto, é possível afirmar que o autor NÃO
a) denuncia a relação
perigosa entre celular e a ação de dirigir veículos.
b) relaciona as ações do
nosso cotidiano com o uso excessivo do celular.
c) apresenta pesquisas de
instituições mundiais renomadas para informar o leitor.
d) se posiciona contra o
uso do celular nas situações do dia-a-dia.
e) alerta os motoristas
quanto à perda de atenção quando do uso dos aparelhos celulares
· De
acordo com o texto, o uso do celular causa dependência porque
a) se trata de um
aparelho que pode acessar redes sociais como o Facebook.
b) proporciona a
comunicação entre as pessoas do mundo inteiro.
c) libera estímulos
prazerosos, que viciam, para o cérebro dos usuários.
d) é possível carregá-lo
para todos os lugares aonde as pessoas vão.
e) é possível acessar a internet para
troca de e-mails.
· Concisão
é um artifício na construção de um texto, pois não devemos estender em excesso
o que desejamos dizer, para não torná-lo cansativo e pouco atraente. Vendo
a seguinte frase: “Minha experiência sugere que essa é a quarta maior
causa de acidentes, [...]” (linha 36), retoma, de acordo com o sentido,
(A) “Dirigir e
falar no Facebook não é
seguro!”.
(B) “Dirigir e
escrever no Facebook não é
seguro!”.
(C) “Dirigir e
namorar no Facebook não é
seguro!”.
(D) “Dirigir e ir ao
shopping pelo Facebook não é seguro!”.
(E) N.d.a.
·
A característica do texto lido é de que ele é um
texto:
a) Narrativo,
ou seja, narra ou relata fatos reais ou fictícios.
b) Apelativo/Injuntivo, ou seja, faz com
que o interlocutor (leitor) tome alguma atitude e muda comportamento.
c) Expositivo,
ou seja, expõe informações e transmite conhecimentos.
d) Descritivo,
ou seja, descreve seres e paisagens.
e) N.d.a.
·
Esse texto é um (a):
a) Narrativa de aventura, pois é um gênero
textual que aborda situações reais ou fictícias, nas quais os protagonistas
enfrentam obstáculos e perigos para alcançar seus objetivos.
b) Entrevista, pois é um gênero textual que se
caracteriza por ter um título que se destaca a ideia central e uma curta
apresentação do entrevistado e do tema. Em seguida, vem as perguntas ao
entrevistado.
c) Reportagem, pois é um gênero textual da
esfera jornalística que apresenta um determinado assunto.
d) Crônica Literária, pois é um gênero
textual em que pode predominar a narração e pode fazer o leitor refletir ou se
emocionar.
e) N.d.a.
Vida em
família
[...]
Julinho provoca o pai que mal desviou o olhar do
prato à sua chegada.
A provocação dissimulada era uma das táticas
preferidas de guerrilha familiar no confronto não-declarado com Alberto, em
constante desacordo sobre sua forma de viver e pensar o mundo.
O garoto permanecia ali, imóvel, expondo-se como
um manequim de vitrine e nem Vera nem Alberto percebiam seus pés descalços.
Entre dentadas e comentários tão triviais quanto
o repasto, a mãe anunciou uma surpresa, mas antes que pudesse dizê-la, o filho
agitou os dedos do pé, acenando para sua desatenção.
— Você está sem sapatos, filho! Que houve?
Julinho esboçou um sorriso sarcástico,
agradecendo enfim pela observação, fixou o polegar esquerdo na palma da mão
direita e girou os dedos
no clássico gesto que significa “roubo”. Vera
pulou da cadeira:
— Meu Deus! Você foi assaltado!
— De novo? — reagiu o pai, largando o osso e
chupando os dedos.
— Foi agora? Como? Onde? Fala! Diz!
— O pivete me abordou ali na ciclovia da Lagoa e
com uma faca nas mãos mandou que eu tirasse o tênis.
— Tênis? Aquele tênis que eu trouxe dos Estados
Unidos mês passado?
– assombrou-se o pai. — Que custou uma
fortuna...?
O garoto concordou com a cabeça, sem dizer
palavra, sem alargar os gestos, represando emoção. Era o terceiro assalto que
sofria e, para quem
acabara de ver o brilho de uma lâmina
espetando-lhe as costelas, demonstrava uma tranquilidade irritante. Talvez por
entender que os assaltos são parte da rotina
da vida. Talvez por desconhecer o preço de um
tênis Platinum, de série limitada.
Julinho tornava-se espectador da sua própria
cena. Enquanto os pais discutiam o melhor comportamento a seguir diante de um
assaltante empunhando
uma arma branca, ele revia seu algoz na telinha
da imaginação. Uma visão parcial, encoberta pelas sombras da noite que não lhe
permitiam distinguir outros traços
além dos olhos verdes e a cara de lua cheia. O
garoto já o percebera antes, no mesmo local, sempre sozinho, a olhar o céu,
distraído demais para infundir
temor aos passantes. Desta vez, o mulato alto e
magro como Julinho fazia-se acompanhar por um bando de meninos maltrapilhos
que, bem mais baixos,
lembravam jogadores de um time infantil à volta
de um treinador adulto. O garoto surpreendeu-se com a abordagem, é fato, mas
muito mais com o comportamento
do assaltante que parecia ensinar aos pirralhos
o modo correto de praticar um assalto.
— E vai ficar por isso mesmo? — a voz de Alberto
adquiriu um tom de afronta.
Julinho respondeu com um leve movimento de
ombros, murmurando por entre os dentes: “Deixa pra lá, pai”. Foi o que faltava
para Alberto pôr sua raiva em movimento:
— Deixa pra lá? Você fala assim porque o
dinheiro não sai do seu bolso. É por isso que a violência não diminui.
Ninguém dá queixa. Ninguém faz nada. Todo mundo
deixa pra lá! Eu não vou deixar! Eu não vou deixar! — e repetiu escandindo as
sílabas:
— Não vou deixar!
O garoto ouviu-o impassível, sem autoridade para
contestá-lo, mas Vera reagiu chamando o marido à razão:
— Alberto! Você não vai sair por aí feito um
maluco por causa de um par de tênis!
— Podia ser um grampo! — esbravejou. — De hoje
em diante, vou atrás do que é meu, seja lá o que for. Não aguento mais ser
saqueado por essa bandidagem. Já foi carro, relógio, bolsa, rádio...
Alberto ajeitou-se na cadeira e, assumindo ares
de delegado de polícia, espetou o dedo indicador na mesa perguntando ao filho
em que ponto da ciclovia exatamente ocorreu o assalto. Julinho preferiu baixar
os olhos e
continuar em silêncio, que ele conhecia muito
bem o temperamento do pai e não queria vê-lo envolvido em mais violência.
Alberto aguardou a resposta e, sem obtê-la, ergueu-se impetuoso:
— Muito bem! Você não diz, mas eu vou descobrir.
Vou à Polícia, à Interpol, ao Exército, onde for preciso, mas vou trazer esse
tênis de volta ou não me chamo Alberto Calmon! De agora em diante, vai ser na
lei do cão!
Julinho olhou para os pés descalços e, por
alguma razão, pensou no tênis, apenas um calçado para ele, talvez um pequeno
sonho para o pivete. Estranho pensamento. [...]
Carlos Eduardo Novaes. O Imperador da Ursa
Maior. São Paulo: Ática, 2000. (Fragmento).
Vocabulário:
repasto - refeição
algoz - aquele que trata outro com crueldade,
carrasco
1. Julinho e o pai não se entendiam muito
bem. Qual fato pode comprovar essa afirmação?
2. Segundo o texto, a tensão familiar concentrava-se
na relação entre Julinho e seu pai, Alberto. De que maneira Julinho provocava o
pai?
3. Por que Alberto e o filho não se davam bem?
4. Apesar do susto, Julinho mantinha-se
aparentemente calmo e ironizava a situação. Por que Julinho procurou não
revelar suas emoções?
5. O narrador descreve a tranquilidade do menino
como 'irritante'. Ela era irritante para quem?
6. "Julinho tornava-se espectador da sua
própria cena". De que cena ele estava sendo espectador?
7. Por que o narrador classifica o pensamento de
Julinho como "estranho"?
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