Leia o texto abaixo e responda o que se pede:
Memórias
de livros
João Ubaldo Ribeiro
Não sei bem dizer como
aprendi a ler. A circulação entre os livros era livre (tinha que ser, pensando
bem, porque eles estavam pela casa toda, inclusive na cozinha e no banheiro),
de maneira que eu convivia com eles todas as horas do dia, a ponto de passar
tempos enormes com um deles aberto no colo, fingindo que estava lendo e, na
verdade, se não me trai a vã memória, de certa forma lendo, porque quando havia
figuras, eu inventava as histórias que elas ilustravam e, ao olhar para as
letras, tinha a sensação de que entendia nelas o que inventara. Segundo a
crônica familiar, meu pai interpretava aquilo como uma grande sede de saber
cruelmente insatisfeita e queria que eu aprendesse a ler já aos quatro anos,
sendo demovido a muito custo, por uma pedagoga amiga nossa. Mas, depois que
completei seis anos, ele não aguentou, fez um discurso dizendo que eu já
conhecia todas as letras e agora era só uma questão de juntá-las e, além de
tudo, ele não suportava mais ter um filho analfabeto. Em seguida, mandou
que eu vestisse uma roupa de sair, foi comigo a uma livraria, comprou uma
cartilha, uma tabuada e um caderno e me levou à casa de D. Gilete.
-- D. Gilete -- disse
ele, apresentando-me a senhora de cabelos presos na nuca, óculos redondos e ar
severo --, este rapaz já está um homem e ainda não sabe ler. Aplique as regras.
"Aplicar as
regras", soube eu muito depois com um susto retardado, significava, entre
outras coisas, usar a palmatória para vencer qualquer manifestação de falta de
empenho ou burrice por parte do aluno. Felizmente D. Gilete nunca precisou me
aplicar as regras, mesmo porque eu de fato já conhecia a maior parte das letras
e juntá-las me pareceu facílimo, de maneira que, quando voltei para casa nesse
mesmo dia, já estava começando a poder ler. Fui a uma das estantes do corredor
para selecionar um daqueles livrões com retratos de homens carrancudos e cenas
de batalhas, mas meu pai apareceu subitamente à porta do gabinete, carregando
uma pilha de mais de vinte livros infantis.
-- Esses daí agora não
-- disse ele. -- Primeiro estes, para treinar. Estas livrarias daqui são uma
porcaria, só achei estes. Mas já encomendei mais, esses daí devem durar uns
dias.
Duraram bem pouco, sim, porque de repente o mundo mudou e
aquelas paredes cobertas de livros começaram a se tornar vivas, frequentadas
por um número estonteante de maravilhas, escritas de todos os jeitos e capazes
de me transportar a todos os cantos do mundo e a todos os tipos de vida
possíveis. Um pouco febril às vezes, chegava a ler dois ou três livros num só
dia, sem querer dormir e sem querer comer porque não me deixavam ler à mesa --
e, pela primeira vez em muitas, minha mãe disse a meu pai que eu estava maluco,
preocupação que até hoje volta e meia ela manifesta.
-- Eu filho está doido
-- disse ela, de noite, na varanda, sem saber que eu estava escutando. -- Ele
não larga os livros. Hoje ele estava abrindo os livros daquela estante que vai
cair para cheirar.
-- Que é que tem isso?
É normal, eu também cheiro muito os livros daquela estante. São livros velhos,
alguns têm um cheiro ótimo.
-- Ontem ele passou a
tarde inteira lendo um dicionário.
-- Normalíssimo. Eu
também leio dicionários, distrai muito. Que dicionário ele estava lendo?
-- O Lello.
-- Ah, isso é que não
pode. Ele tem que ler o Laudelino Freire, que é muito melhor. Eu vou ter uma
conversa com esse rapaz, ele não entende nada de dicionários. Ele está
cheirando os livros certos, mas lendo o dicionário errado, precisa de
orientação.
Sim, tínhamos muitas
conversas sobre livros. Durante toda a minha infância, havia dois tipos básicos
de leitura lá em casa: a compulsória e a livre, esta última dividida em dois
subtipos -- a livre propriamente dita e a incerta. A compulsória variava
conforme a disposição de meu pai. Havia a leitura em voz alta de poemas,
trechos de peças de teatro e discursos clássicos, em que nossa dicção e entonação
eram invariavelmente descritas como o pior desgosto que ele tinha na vida.
Líamos Homero, Camões, Horácio, Jorge de Lima, Sófocles, Shakespeare, Euclides
da Cunha, dezenas de outros. Muitas vezes não entendíamos nada do que
líamos, mas gostávamos daquelas palavras sonoras, daqueles conflitos estranhos
entre gente de nomes exóticos, e da expressão comovida de minha mãe, com pena
de Antígona e torcendo por Heitor na Ilíada. Depois de cada leitura, meu pai fazia
sua palestra de rotina sobre nossa ignorância e, andando para cima e para baixo
de pijama na varanda, dava uma aula grandiloquente sobre o assunto da leitura,
ou sobre o autor do texto, aula esta a que os vizinhos muitas vezes vinham
assistir. Também tínhamos os resumos -- escritos ou orais -- das leituras, as
cópias (começadas quando ele, com grande escândalo, descobriu que eu não
entendia direito o ponto-e-vírgula e me obrigou a copiar sermões do Padre
Antônio Vieira, para aprender a usar o ponto-e-vírgula) e os trechos a decorar.
No que certamente é um mistério para os psicanalistas, até hoje não só os
sermões de Vieira como muitos desses autores forçados pela goela abaixo estão
entre minhas leituras favoritas. (Em compensação, continuo ruim de
ponto-e-vírgula).
Mas o bom mesmo era a
leitura livre, inclusive porque oferecia seus perigos. Meu pai usava uma
técnica maquiavélica para me convencer a me interessar por certas leituras. A
circulação entre os livros permanecia absolutamente livre, mas, de vez em
quando, ele brandia um volume no ar e anunciava com veemência:
-- Este não pode! Este
está proibido! Arranco as orelhas do primeiro que chegar perto deste daqui!
O problema era que não só
ele deixava o livro proibido bem à vista, no mesmo lugar de onde o tirara
subitamente, como às vezes a proibição era para valer. A incerteza era
inevitável e então tínhamos momentos de suspense arrasador (meu pai nunca
arrancou as orelhas de ninguém, mas todo mundo achava que, se fosse por uma
questão de princípios, ele arrancaria), nos quais [...] penso que li tudo o que ele
queria disfarçadamente que eu lesse, embora à custa de sobressaltos e suores
frios.
1.
O
narrador do texto diz que não sabe bem como aprendeu a ler, no entanto, ao
leitor parece que é fácil imaginar como ele aprendeu a ler e por que esse
aprendizado foi tao fácil para ele. Como ele aprendeu a ler?
a)
De
tanto ficar em contato com os livros, o menino ficou curioso, começou a folhear
os livros, a ler as gravuras, a inventar histórias.
b)
De
tanto ver livros, ele ficou meio paranoico e não queria saber de livros, nem
nos banheiros se tinha sossego, pois o pai dele queria ele uma pessoa
intelectual, mandando fazer cópias para aprender a gramática.
2.
Como
era a relação do pai do menino com o mundo das letras e dos livros?
a)
Ele
tinha muito respeito e gosto pelos livros, acreditava que assim as historias
seriam mais bem averiguadas com o intuito de se ter mais conhecimentos.
b)
Ele
tinha muito respeito e gosto pelos livros, acreditando que eram essenciais para
a boa educação do menino.
3.
O
que significava “aplicar as regras”,
expressão que o menino ouviu o pai dizer à professora?
a)
Era
uma expressão desconhecida pelo menino, mas so depois de muito tempo ele
conseguiu entender que era a palmatoria.
b)
Era
uma expressão comum para a época e não causou estranheza ao menino, uma vez que
ele já tinha sofrido com a palmatoria.
4. Na tira, a resposta
de Hamlet produz efeito de humor. Isso ocorre, porque Hamlet utiliza:
a) a palavra
“amor”. b)
conceitos retirados de dicionário.
c) uma linguagem
literária. d) expressões
grosseiras.
e) N.d.a.
5. Releia o
trecho:
“Como ali também se localizam os
nervos da glândula de veneno, este
continua a ser instilado na ferida mesmo depois da partida do inseto.”
A substituição de veneno por substância
venenosa acarretará modificação nas palavras:
a) este e instilado.
b) continua e instilado.
c) continua e ser.
d) este e continua.
e) N.d.a.
Leia
atentamente a tirinha criada por Quino para responder a questao.
6. A intenção do autor, presente no texto é
a) criticar severamente a professora de Miguelito e Mafalda, pois ela não
explica bem.
b) advertir seriamente que os dois personagens não entenderam a matéria.
c) demonstrar com ironia que o responsável pela limpeza pública não cumpre
seu dever.
d) ver com bom humor que Miguelito nunca conseguirá aprender sujeito e
predicado.
e) criticar a língua portuguesa, por ser tão difícil.
Leia
o texto abaixo para responder às questões.
SE NÃO FOSSE A CURIOSIDADE, NÓS AINDA ESTARÍAMOS
NA IDADE DA PEDRA
HOMEM:
O SER QUE PERGUNTA
Se
compararmos, neste aspecto, o comportamento humano com o do animal,
verificaremos que o animal não pergunta. Mas por que o animal não pergunta?
Porque, para viver e reproduzir-se, dispõe do instinto que o torna capaz de
fazer, embora inconsciente e sonambulamente, tudo que é necessário para
sobreviver e assegurar a sobrevivência de sua espécie. O animal não pergunta,
limita-se a responder aos estímulos e provocações do contexto em que se
encontra, a responder imediatamente, fugindo do perigo quando é ameaçado e
atacando a presa quando está com fome.
Entre
o animal e o contexto não há ruptura, não há solução de continuidade. Porque o
animal é natureza dentro da natureza, instinto, espontaneidade vital,
inconsciência. (...)
Quando
o comportamento do animal não é ditado pelo instinto (...), é ditado pelos
estímulos exteriores que provocam reflexos ou respostas predeterminadas. O
animal não precisa saber o que são as coisas porque sabe, por instinto, tudo o
que precisa saber para sobreviver. (...)
Em
contraste, o homem pergunta. E por que pergunta? Porque precisa perguntar. E
por que precisa perguntar? Precisa perguntar porque não sabe e precisa viver,
saber o que é o mundo em que se encontra e no qual precisa viver. Para poder
viver, e viver é conviver com as coisas e com os outros homens, precisam saber
como as coisas e os outros homens se comportam, pois sem esse conhecimento não
poderia orientar sua conduta. Para o ser humano o conhecimento não é
facultativo, mas indispensável, uma vez que sua sobrevivência dele depende.
(...)
Normalmente
perguntamos, sem refletir, sobre o próprio perguntar, sem indagar pelo
significado dessa operação da inteligência que se acha na raiz de todo
conhecimento e de toda ciência.
(CORBISIER, Roland.
Introdução à filosofia. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira.)
7.
Todas as alternativas estão de acordo com o texto, EXCETO:
a)
Uma
das estratégias utilizadas pelo autor para construir seu texto é estabelecer
uma comparação entre o comportamento animal e o humano.
b)
A
expressão “neste aspecto”, na 1ª linha do texto, refere-se ao comportamento
humano e do animal com relação ao ato de perguntar.
c)
Uma
das conclusões a que se pode chegar é que o animal não pergunta porque já nasce
com o conhecimento do que precisa.
d)
O
autor esclarece a dupla reação do animal aos estímulos, ora internos, ora
externos.
e)
O
ser humano precisa de conhecimento para
viver.
8.
Releia, com atenção, a passagem a seguir:
“...
precisa saber como as coisas e os outros homens se comportam, pois sem esse
conhecimento não poderia orientar sua conduta. Para o ser humano, o
conhecimento não é facultativo, mas indispensável, uma vez que sua
sobrevivência dele depende.”
Assinale a alternativa abaixo que REFORÇA a intenção da autora em relação
ao trecho destacado.
a) Elege o conhecimento como elemento
vital e imprescindível à vida humana.
b) Considera os homens como focos
principais a serem observados.
c) Rejeita a possibilidade de o homem
sobreviver sem os outros semelhantes.
d) Orienta a conduta dos homens pelo
comportamento das coisas.
e) O homem se orienta copiando
comportamentos.
9. Releia com atenção a passagem a
seguir:
“Se não fosse a curiosidade, nós ainda estaríamos na idade da pedra.”
Assinale a alternativa que tem o mesmo sentido do
título.
a)
“Entre o animal e o contexto não há ruptura, não há solução de
continuidade. Porque o animal é natureza...”
b)
“... indagar pelo significado dessa operação da inteligência que se acha
na raiz de todo conhecimento e de toda ciência.”
c)
“O animal não pergunta, limita-se a responder estímulos e provocações do
contexto em que se encontra...”
d)
“... para fazer, embora inconsciente e sonambulamente, tudo que é
necessário...”
e) Todas alternativas têm o mesmo sentido
do título.
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