terça-feira, 7 de junho de 2022

INTERPRETAÇÃO DE TEXTO - BARROCO GREGÓRIO DE MATOS

 Leia o texto e responda o que se pede:


Aos vícios

Gregório de Matos


Eu sou aquele, que os passados anos

cantei na minha lira maldizente

torpezas do Brasil, vícios, e enganos.


E bem que os decantei bastantemente,

canto segunda vez na mesma lira

o mesmo assunto em plectro diferente.


Já sinto, que me inflama, ou que me inspira

Talia, que Anjo é da minha guarda,

Dês que Apolo mandou, que me assistira.


Arda Baiona, e todo o mundo arda,

Que, a quem de profissão falta à verdade,

Nunca a Dominga das verdades tarda.


Nenhum tempo excetua a Cristandade

Ao pobre pegureiro do Parnaso

Para falar em sua liberdade.


A narração há de igualar ao caso,

E se talvez ao caso não iguala,

Não tenho por Poeta, o que é Pegaso.


De que pode servir calar, quem cala,

Nunca se há de falar, o que se sente?

Sempre se há de sentir, o que se fala!


Qual homem pode haver tão paciente,

Que vendo o triste estado da Bahia,

Não chore, não suspire, e não lamente?


Isto faz a discreta fantesia:

Discorre em um, e outro desconcerto,

Condena o roubo, e increpa a hipocrisia.


O néscio, o ignorante, o inexperto,

Que não elege o bom, meu mau reprova,

Por tudo passa deslumbrado, e incerto.


E quando vê talvez na doce trova

Louvado o bem, e o mal vituperado,

A tudo faz focinho, e nada aprova.


Diz logo prudentaço, e repousado,

Fulano é um satírico, é um louco,

De língua má, de coração danado.


Néscio: se disso entendes nada, ou pouco,

Como mofas com riso, e algazarras

Musas, que estimo ter, quando as invoco?


Se souberas falar, também falaras,

Também satirizaras, se souberas,

E se foras Poeta, poetizaras.


A ignorância dos homens destas eras

Sisudos faz ser uns, outros prudentes,

Que a mudez canoniza bestas feras.


Há bons, por não poder ser insolentes,

Outros há comedidos de medrosos,

Não mordem outros não, por não ter dentes.


Quantos há, que os telhados têm vidrosos,

E deixam de atirar sua pedrada

De sua mesma telha receosos.


Uma só natureza nos foi dada:

Não criou Deus os naturais diversos,

Um só Adão formou, e esse de nada.


Todos somos ruins, todos preversos,

Só nos distingue o vício, e a virtude,

De que uns são comensais, outros adversos.


Quem maior a tiver, do que eu ter pude,

Esse só me censure, esse me note,

calem-se os mais, chitom, e haja saúde.


Disponível em: <Eu sou aquele, que os passados anos - Wikisource>.  Acesso em 05 de jun de 2022.


1. O texto fala sobre qual temática?

2. Gregório de Matos tinha o apelido de "Boca do Inferno", em quais estrofes há essa atribuição?

3. Qual verso mostra a característica satírica da poesia de Gregório de Matos?

4. Há uma intenção nos versos destacados. Qual é?

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