segunda-feira, 6 de junho de 2022

INTERPRETAÇÃO DE TEXTO - ROMANTISMO PROSA MEMÓRIAS DE UM SARGENTE DE MÍLICIAS MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA

 Leia o texto abaixo e responda o que se pede:

O nascimento do herói

Sua história tem pouca coisa de notável. 

Fora Leonardo algibebe¹ em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se porém do negócio, e viera ao Brasil. 

Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de que o vemos empossado, o que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. 

Mas viera com ele no mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria de hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia² rechonchuda e bonitona. 

O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal apessoado, e sobretudo era maganão³. 

Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. 

A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremando beliscão nas costas da mão esquerda. 

Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos.

Quando saltaram em terra, começou a Maria a sentir certos enjoos: foram os dois morar juntos: e daí, a um mês, manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do beliscão; sete meses depois, teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. 

E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos é o herói desta história.

(Fonte: Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias) 

1. Qual é a temática (assunto) do texto?

2. Em relação a Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida, pode-se afirmar que:

a) o personagem central narra suas aventuras no Rio de Janeiro à época de Dom João VI.
b) o romance se distancia do caráter idealizante que marcou a prosa romântica brasileira.
c) o romance focaliza a trajetória de um militar empenhado em manter os ideais monárquicos.
d) a obra pode ser vista como um romance ligado à vida das elites brasileiras da época.

3. Leia o texto abaixo e responda as questões 9 e 10.

“Os leitores estarão lembrados do que o compadre dissera quando estava a fazer castelos no ar a respeito do afilhado, e pensando em dar-lhe o mesmo ofício que exercia, isto é, daquele arranjei-me, cuja explicação prometemos dar. Vamos agora cumprir a promessa. Se alguém perguntasse ao compadre por seus pais, por seus parentes, por seu nascimento, nada saberia responder, porque nada sabia a respeito. Tudo de que se recordava de sua história reduzia-se a bem pouco. Quando chegara à idade de dar acordo da vida achou-se em casa de um barbeiro que dele cuidava, porém que nunca lhe disse se era ou não seu pai ou seu parente, nem tampouco o motivo por que tratava da sua pessoa. Também nunca isso lhe dera cuidado, nem lhe veio a curiosidade de indagá-lo. Esse homem ensinara-lhe o ofício, e por inaudito milagre também a ler e a escrever. Enquanto foi aprendiz passou em casa do seu… mestre, em falta de outro nome, uma vida que por um lado se parecia com a do fâmulo*, por outro com a do filho, por outro com a do agregado, e que afinal não era senão vida de enjeitado, que o leitor sem dúvida já adivinhou que ele o era. A troco disso dava-lhe o mestre sustento e morada, e pagava-se do que por ele tinha já feito.”
(Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias)

Glossário:
(*) fâmulo: empregado, criado

4. Neste excerto, mostra-se que o compadre provinha de uma situação de família irregular e ambígua. No contexto do livro, as situações desse tipo:
a) caracterizam os costumes dos brasileiros, por oposição aos dos imigrantes portugueses.
b) são apresentadas como consequência da intensa mestiçagem racial, própria da colonização.
c) contrastam com os rígidos padrões morais dominantes no Rio de Janeiro oitocentista.
d) ocorrem com frequência no grupo social mais amplamente representado.
e) começam a ser corrigidas pela doutrina e pelos exemplos do clero católico.

5. No excerto, temos derivação imprópria ou conversão (emprego de uma palavra fora de sua classe normal) no seguinte trecho:
a) fazer castelos no ar.
b) daquele arranjei-me.
c) dar acordo da vida.
d) nem tampouco o motivo.
e) por inaudito milagre.

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