Leia o texto e responda o que se pede:
O mulato
Aluísio Azevedo
A morte inesperada de José causou grande abalo no irmão e ainda mais em Mariana.
Raimundo era muito criança, não a compreendeu; por esse tempo teria ele cinco anos, se tanto.
Vestiram-no de sarja preta e disseram-lhe que estava de luto pelo pai.
Manuel tratou do inventário; recebeu o que lhe coube e mais a mulher na herança; depositou no recém-criado banco da província o que pertencia ao órfão e, apesar das vantagens que propôs para vender ou arrendar a fazenda de São Brás, ninguém a quis.
Isto feito, escreveu logo para Lisboa, pedindo esclarecimentos à Casa Peixoto, Costa & Cia., e uma vez bem informado no que desejava, remeteu o sobrinho para um colégio daquela cidade.
Muito custou à bondosa Mariana separar-se de Raimundo.
Doía aquele coração amoroso ver expatriar-se, assim, tão sem mãe, uma pobre criança de cinco anos.
O pequeno, todavia, depois de preparado com todo o desvelo, foi metido, a chorar, dentro de um navio, e partiu.
No colégio era o único estudante que se chamava Raimundo e os colegas ridicularizavam-lhe o nome, “Raimundo Mundico Nico!” diziam lhe, puxando-lhe a blusa e batendo-lhe na cabeça tosquiada à escovinha; até que ele se retirava enfiado, sem querer tomar ao recreio, a chorar e a berrar que o mandassem para a sua terra.
Mas, com o tempo, apareceram lhe amigos e a vida então se lhe afigurou melhor. Já faziam as suas palestras; os companheiros não se cansavam de pedir-lhe informação sobre o Brasil.
“Como eram os selvagens?... E se a gente encontrava, pelas ruas, mulheres despidas: e se Raimundo nunca fora varado por alguma flecha dos caboclos.”
Um dia recebeu uma carta de Mariana e, pela primeira vez, deu-se ao cuidado de pensar em si. Mas as suas reminiscências não iam além da casa do tio; no entanto, queria parecer-lhe que a sua verdadeira mãe não era aquela senhora aquela vinha a ser sua tia, porque era a mulher de seu tio Manuel: e até, se lhe não falhava a memória, por mais de uma vez ouvira dela própria falar na outra, na sua verdadeira mãe... 'Mas quem seria a outra? Como se chamava?... Nunca lho disseram!...”
Quanto a seu pai, devia ser aquele homem barbado que, numa noite, lhe apareceu, muito pálido e aflito, e por quem pouco depois o cobriram de luto.
Da cena dessa noite lembrava-se perfeitamente! Já estava recolhido, foram buscá-lo à rede e trouxeram-no, estremunhado, para as pernas do tal sujeito, por sinal que as suas barbas tinham na ocasião certa umidade aborrecida, que Raimundo agora calculava ser produzida pelas lágrimas; depois foi se deitar e não pensou mais nisso. Recordava-se também. mas não com tamanha lucidez, do tempo em que aquele mesmo homem esteve doente, lembrava-se de ter recebido dele muitos beijos e abraços, e só agora notava que todos esses afagos eram sempre ocultos e assustados, feitos como que ilegalmente, às escondidas, e quase sempre acompanhados de choro.
Depois destas e outras divagações pelo passado, Raimundo, se bem que muito novo ainda, punha-se a pensar e os véus misteriosos da sua infância assombravam-lhe já o coração com uma tristeza vaga e obscura, numa perplexidade cheia de desgosto.
Todo o seu desejo era correr aos braços de Mariana e pedir-lhe que lhe dissesse, por amor de Deus, quem afinal vinha a ser seu pai e, principalmente, sua mãe.
Passaram-se anos, e ele permaneceu enleado nas mesmas dúvidas. Concluiu os seus preparatórios, habilitou-se a entrar para a Academia. E sempre as mesmas incertezas a respeito da sua procedência.
1. O texto aborda qual temática?
2. Há um tipo de preconceito nas entrelinhas do texto, qual é?
3. Qual é o conflito evidenciado nesse trecho no qual Raimundo tenta descobrir?
4. O personagem sofre uma adaptação ao novo colégio português. Como foi essa adaptação?
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