A partir da segunda metade do século
XIX, a sociedade brasileira passa por profundas transformações. A gradativa
restrição ao comércio de escravos propicia o crescimento do trabalho
assalariado, que deu novo impulso ao capitalismo, e a decadência do regime
monárquico provocam grandes mudanças politicas, econômicas e sociais. Já não há
mais lugar para o subjetivismo e o sentimentalismo românticos.
Principais autores
Machado
de Assis e Raul Pompeia distinguem-se entre os autores de tendência realista.
No
Naturalismo, sobressai a obra de Aluísio Azevedo.
Olavo
Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira destacam-se como poetas do
Parnasianismo, movimento que corresponde ao realismo na poesia.
Ao
lado desses autores aparecem ainda Domingos Olímpio e Manuel de Oliveira Paiva
que tendem a desenvolver o regionalismo iniciado pelo Romantismo, entretanto
com objetividade e sem a idealização romântica.
Machado de Assis
A obra de Machado de Assis divide-se
em duas fases:
Romântica:
Ressurreição (1872); A mão e a luva (1874); Helena (1876); Iaiá Garcia (1978)
Realista:
Memorias póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891); Dom Casmurro
(1899); Esaú e Jacó (1904); Memorial de Aires (1908).
Abandonando as convenções românticas
da primeira fase, Machado de Assis, a partir de Memórias póstumas de Brás
Cubas, passa a se concentrar nas personagens, buscando inspiração nas ações
cotidianas do homem comum. Parte então para a análise psicológica, observando a
consciência da personagem, transferindo muitas vezes para o leitor as suas
próprias reflexões, dialogando com ele, quebrando o envolvimento emocional e a
ordem cronológica da narrativa, denunciando, com uma visão de mundo pessimista
e irônica, a face oculta das ações humanas – os interesses que se escondem sob
as ações nobres, a inveja, a hipocrisia, a vaidade, o egoísmo, a ambição, a
injustiça, a traição, a dissimulação etc. – desmascarando as aparências da
burguesia do século XIX, cujo objetivo principal era o sucesso financeiro.
Por outro lado, o texto machadiano
destaca-se pela perfeição formal, a linguagem trabalhada e rica.
Tendo sido o maior contista do século
XIX e um dos melhores da literatura universal, Machado de Assis nos deixou
verdadeiras obras-primas, tais como: Uns Braços, Missa do Galo, O alienista, Cantigas
dos esponsais, A Cartomante, Noite de Almirante, Conto de escola, etc.
Foi influenciado pela leitura bíblica,
por Cervantes, Flaubert, Edgar Alan Poe, Swift, Dickens e principalmente Blaise
Pascal, matemático, físico e moralista francês, responsável por parte do
pessimismo encontrado em sua obra.
O humanitismo
Em Memorias póstumas de Brás Cubas,
Machado de Assis nos apresenta o filósofo Quincas Borba, que aparecerá em outro
romance que leva o seu nome. Quincas Borba expõe a teoria do humanitismo, que é
uma visão caricatural de uma proposta positivista da época em que se percebe o
pensamento de Darwin. Para Quincas Borba, Humanitas é o principio da vida e
reside em toda a parte. No humanitismo mostra-se que a dor e a violência são
inerentes ao ser humano e que na luta pela vida a vitória do mais forte é
natural.
Outro aspecto relevante na obra de
Machado de Assis é a temática da loucura, explorada em O alienista e Quincas
Borba.
Texto
Dom Casmurro
Machado de Assis
CXXII – Olhos de ressaca
Enfim, chegou a hora da encomendação e da
partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance
consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só
Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra,
queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No Meio dela, Capitu olhou alguns
instantes para ver o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira
lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as
dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na
sala. Redobrou as carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece
que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o
defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem as palavras desta, mas grande e
abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.
CXXIV – O
discurso
- Vamos,
são horas...
Era José Dias que me convidava a fechar o ataúde.
Fechamo-lo, e eu peguei numa das argolas; rompeu o alarido final. Palavra que,
quando cheguei à porta, vi o sol claro, tudo gente e carros, as cabeças
descobertas, tive um daqueles meus impulsos que nunca chegavam à execução: foi
atirar à rua caixão, defunto e tudo. No carro disse a José Dias que se calasse.
No cemitério tive de repetir a cerimônia da casa, desatar as correias, e ajudar
a levar o féretro à cova. O que isto me custou imagina. Descido o cadáver à
cova, trouxeram a cal e a pá; sabes disto, terás ido a mais de um enterro, mas
o que não sabes nem pode saber nenhum dos teus amigos, leitor, ou qualquer
outro estranho, é a crise que me tomou quando vi todos os olhos em mim, os pés
quietos, as orelhas atentas, e, ao cabo de alguns instantes de total silêncio,
um sussurro vago, algumas vozes interrogativas, sinais, e alguém, José Dias,
que me dizia ao ouvido:
- Então,
fale.
Era o discurso. Queriam o discurso. Tinham jus ao
discurso anunciado. Maquinalmente, meti a mão no bolso, saquei o papel e li-o
aos trambolhões, não todo, nem seguido, nem claro; a voz parecia-me entrar cm
vez de sair, as mãos tremiam-me. Não era só a emoção nova que me fazia assim,
era o próprio texto, as memórias do amigo, as saudades confessadas, os louvores
à pessoa e aos seus méritos; tudo isto que eu era obrigado a dizer e dizia mal.
Ao mesmo tempo, temendo que me adivinhassem a verdade, forcejava por escondê-la
bem. Creio que poucos me ouviram, mas o gesto geral foi de compreensão e de
aprovação.
1. Dois capítulos do romance Dom Casmurro
tem o título “Olhos de ressaca”. No capítulo XXXIII, Bentinho descreve pela
primeira vez os olhos de Capitu: “Tinha-me lembrado a definição que José Dias
dera deles, ‘olhos de cigana oblíqua e dissimulada’. Eu não sabia o que era
oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. (...)
Olhos de ressaca? Vá, de ressaca.”
Que
julgamento Bentinho, implícito no segundo paragrafo do capítulo CXXII, poderia
justificar a repetição do título “Olhos de ressaca”?
2. “Capitu olhou
alguns instantes para ver o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não
admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...”
Que
advérbio se destaca neste trecho caracterizando um julgamento pessoal e
subjetivo do narrador?
3. O narrador se refere várias vezes ao
caráter dissimulado, fingido, disfarçado de Capitu. Entretanto, no texto
transcrito ele também age dissimuladamente. Ele estaria cumprindo que tipo de
obrigações: afetivas ou sociais? Em que momento lhe pesa mais essa
dissimulação?
4. Com base no texto, dir-se-ia que o
narrador está mais preocupado com a análise psicológica das personagens ou com
as ações ou cenários?
Aluísio Azevedo
Ele
nos deixou uma produção literária heterogênea. Ora publicava folhetins
românticos, ora romances naturalistas de forte conteúdo social, nos quais
denunciava o preconceito racial e de classe, a ambição do enriquecimento fácil,
os problemas morais, as injustiças e misérias sociais. Muitas de suas
personagens são seres desprezíveis e não é raro descrições de homens comparados
a animais irracionais.
Sob
a influência de Emile Zola e Eça de Queirós, buscou interpretar a realidade
brasileira com base nas teorias científico – filosóficas, preocupando-se com o
pormenor científico, com a patologia das suas personagens e com a burguesia
decadente.
Seus
romances naturalistas, dentre os quais se destacam O mulato, Casa de Pensão e O
cortiço, são de grande importância e contrastam com as obras românticas que publicava alternadamente para
atender as necessidades econômicas, fazendo
concessões a uma classe de eleitores ainda afeita ao romantismo piegas.
Não
sendo um criador de tipos, o social e o coletivo (a cidade, as habitações
coletivas) destacam-se mais do que as suas personagens.
Texto
Rita Baiana
Aluísio Azevedo
Ela
saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e
bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa
sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já
correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda,
como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma
pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um
gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo,
subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e
cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um,
ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, tirilando.
Em torno o entusiasmo tocava ao delírio; um grito de aplausos explodia de vez
em quando, rubro e quente como deve ser um grito saído do sangue. E as palmas
insistiam, cadentes, certas, num ritmo nervoso, numa persistência de loucura.
E, arrastado por ela, pulou à arena o Firmo, ágil, de borracha, a fazer coisas
fantásticas com as pernas, a derreter-se todo, a sumir-se no chão, a ressurgir
inteiro com um pulo, os pés no espaço, batendo os calcanhares, os braços a
querer fugirem-lhe dos ombros, a cabeça a querer saltar-lhe. E depois, surgiu
também a Florinda, e logo o Albino e até, quem diria! o grave e circunspecto
Alexandre.
O
chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando aos que não sabiam
dançar. Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico
segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não
podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce,
quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante.
E
Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados.
Naquela
mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu
chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das
sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o
atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não
torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti
mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite
de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca
doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe
os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra,
picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele
amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma
larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e
espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
1. Que diferenças podemos estabelecer
entre a caracterização de Rita Baiana e uma personagem feminina dos romances
românticos?
2. Como se caracteriza o meio social do
cortiço? Em que ele difere do ambiente romântico?
3. Que sentimentos são despertados em
Jeronimo pela dança de Rita Baiana?
4. O narrador faz questão de retratar
atitudes e personagens primitivos, acentuando a degradação dos tipos. Para
isso, no romance, aproxima-os insistentemente de insetos e animais. Circule do
texto exemplos que exemplifiquem esta afirmação.
Raul Pompeia
Sua obra mais importante é O Ateneu,
publicada em 1888, romance autobiográfico que foge aos moldes do Realismo –
Naturalismo devido à emotividade do narrador. A crítica moderna vê nele traços
simbolistas e impressionistas, na medida em que o autor registra as impressões
que seres e fatos provocaram na sua sensibilidade.
Em O Ateneu o autor rememora os tempos
de internato, valendo-se da personagem Sergio, sua projeção pessoal. Este, já
adulto, quer retratar com objetividade e isenção aqueles tempos, porém, o
adulto se deixa dominar pelas impressões do menino, perdendo a objetividade e a
impessoalidade e passando a deixar fluir as impressões que lhe ficaram daquele
ambiente corrupto, dominado pelos vícios, pelo dinheiro e pela ânsia de poder,
responsáveis pelas distorções de caráter de muitos dos meninos que ali
chegavam. Destacam-se na obra a análise psicológica e o retrato caricatural das
personagens.
O Ateneu
Já me era lícito julgar iniciado na
convivência intima da escola. Chamado por Mânlio a provas, consegui agradar,
conquistando uma aura que me devia por algum tempo favorecer. Encontrei o
Barbalho. Tinha a face marcada pelas minhas unhas; evitou-me. No recreio cometi
a injustiça de ir deixando o Rebelo. Também o amável camarada tinha na boca um
mau cheiro que lhe prejudicava a pureza dos conselhos; demais, falava prendendo
a gente com dedos de torquês e soltando os aforismos a queima-roupa. Por seu
lado o venerando colega correspondeu ao movimento massando-se comigo, e
amuando. Durante as aulas, em que nos sentávamos perto um do outro, absorvia-se
em sua desesperada atenção e era como se estivesse a muitas milhas. Se,
todavia, por imprescindível necessidade tinha de me falar, então, dirigia-me a
palavra com a habitual afabilidade de jovem cura.
Estava aclimado, mas eu me aclimara
pelo desalento, como um encarcerado no seu cárcere.
Depois que sacudi fora a tranca dos
ideais ingênuos, sentia-me vazio de animo; nunca percebi tanto a
espiritualidade imponderável da alma: o vácuo habitava-me dentro. Premia-me a
força das coisas; senti-me acovardado. Perdeu-se a lição viril de Rebelo:
prescindir de protetores. Eu desejei um protetor, alguém que me valesse,
naquele meio hostil e desconhecido, e um valimento direto mais forte do que
palavras.
1.
Que observaçao contida no primeiro parágrafo nos permite
julgar hostil o ambiente do Ateneu?
2.
Em que trecho o narrador declara que a sua ambientaçao no
Ateneu se deveu ao fato de nao ter outra opçao?
3.
Que mudança ocorre na personalidade do narrador ao
conviver em um ambiente que ele considerava degradante, imoral?
4.
Por que Sergio desejava alguem que o protegesse?
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