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O dia de levar o computador ao médico
Se você tem filho e computador, sabe que eles são muito parecidos: ambos
são teimosos e só fazem o que querem. Nasceram daquele jeito, com
aquele ritmo, com aquela cara. E a gente ama os dois. Não consegue mais
viver sem eles. Não consegue imaginar como viveu tanto anos sem os dois.
Mas eles se parecem mesmo um com outro é quando adoecem.
Você nota que algo não está bem. Primeiro mostra ao amigo. O amigo
examina e acha melhor chamar um técnico (médico). Vem o médico, perdão,
vem o técnico, examina, aperta aqui, aperta ali, olha atrás. E a gente
ali ao lado, aflito, sem entender direito o que ele está a fazer.
- É grave?
- Melhor levar para a oficina (consultório).
- Então é grave?
- Preciso fazer um exame mais detalhado.
Aí ele pega o nosso filho no colo, coloca deitado no banco de trás do carro e lá vamos nós para o exame mais detalhado.
- Pode ser que esteja com um vírus!
- Vírus???
- Vírus.
Chega no consultório, a gente senta na sala de espera e ele entra com
ele lá para dentro. Somem atrás de uma porta cinza. Uma espécie de
enfermeira faz a minha ficha e pede os dados dele. Ali, na sala de
espera, outros pais esperando diagnósticos mais precisos.
- Quantos anos ele tem?
- Quatro. E nunca teve nenhum problema...
Já se passou mais de meia hora e o rapaz não volta. Começo a ficar
preocupado. Será que vai ser preciso operar? Quanto vai custar esta
visita? E se ele morrer? Começo a suar frio. Uma gorda ao meu lado me
consola.
- É a terceira vez que venho aqui... Eles são muito competentes.
Depois de uma hora o homem volta. Sem ele. Bate a mão no meu ombro, como
a me consolar. Balança a cabeça negativamente. Eu espero pelo pior.
- E então, doutor?
- Ele vai precisar passar uns dias aqui (internado).
- Localizou o vírus?
- É um vírus novo, nunca tinha visto nada igual.
- Mas há perigo de morte, quer dizer, ele vai ficar bom?
- Tem que ficar uns dias em observação. Talvez tenhamos que trocar uma placa. Fazer uma espécie de transplante.
Aí ele me dá aquelas explicações de médico que eu nunca entendo muito
bem. Me diz que precisa levar o meu filho para a Central onde têm
médicos, perdão, técnicos com mais conhecimentos.
Pergunto se posso dar uma olhadinha nele antes de ir embora e ele nega veementemente. Ninguém pode entrar lá dentro.
- Por quê? O vírus pode pegar? Ele está tão mal assim?
- Está desmontado. O senhor não iria reconhecê-lo.
Imagino o meu filho com as entranhas todas de fora, respirando mal, mal
conseguindo pronunciar um simples bit, soletrar uma única palavra,
digitar um tchau.
Não há mais nada a fazer.
Ele me dá uma receita num papel.
- Compre esta placa que nós mesmos aplicamos nele.
Saio para a rua levando apenas um fio, um cabo, que foi tudo que pude
levar dele para casa. O cordão umbilical que me prendia a ele. E vou até
uma farmácia comprar um Lexotan para me acalmar e me acostumar a ficar
uns dias sem ele, coitado.
(PRATA, Mário. 100 crônicas. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997)
Bit – unidade usada na informática, representa a menor parcela de informações processada por um computador.
Lexotan® - remédio tranquilizante que só pode ser consumido com receita médica.
1. O narrador compara o computador a um filho. Que características em ambos os tornam semelhantes? R. Eles são teimosos, também são imprescindíveis na vida, mas só fazem o que querem.
2. O que essa comparação sugere quanto à importância do computador na vida do narrador? R. Ele ocupa um lugar especial na sua vida, daí valorizar bastante sua existência.
3. Existe uma frase no início do texto que confirma o relacionamento afetivo entre o narrador e o seu computador. Qual é? R. E a gente ama os dois.
4. O narrador relata seu comportamento como usuário de computador. Essa crônica critica a relação do ser humano com o computador ou apensar diverte o leitor? R. Há uma crítica da influência que o computador exerce na vida das pessoas, que não vivem sem ele na sua vida.
5. De que forma o narrador tornou a história mais leve e agradável? R. Com o uso da linguagem informal, o humor e a ironia, além dos diálogos que dão rapidez aos fatos.
6. No último parágrafo, o narrador compreende que é preciso enfrentar sua dependência. De quem ele precisa se separar? R. Do computador, confirmado pelo título.
7. No desenvolvimento do texto, às vezes, o narrador refere-se ao mesmo tempo ao computador e ao filho, como se fosse a mesma coisa. Por que ele age dessa forma? R. O filho e o computador são iguais para ele, exigem os mesmos cuidados.
8. O que significa o Cordão Umbilical no último parágrafo? R. O elo entre o narrador e o computador.
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