O CORAÇÃO ROUBADO (Marcos Rey)
Muitas
situações embaraçosas e personagens da vida moderna estão nessas 26 crônicas de
Marcos Rey (Para Gostar de Ler – volume 19). As crônicas levam o leitor a rir e
refletir sobre os fatos e figuras que povoam a atribulada e corrida
contemporaneidade.
SOBRE O
AUTOR:
a)
Sua obra caracteriza-se pelo humor, ironia e malícia;
b)
Apresenta variação temática;
c)
Retrata os momentos cômicos do nosso cotidiano. Mostra que o riso é, muitas
vezes, a melhor forma de encarar a vida;
d)
Marcos Rey é roteirista de rádio, cinema e TV, além de ser contista, repórter,
colunista e romancista;
e)
Quase sempre retrata o cenário de São Paulo;
f)
O autor gosta de comizar as tragédias;
g)
Utiliza a gramática para construir seu texto.
Ex.1:
“Tudo aconteceu, suponho, por sugestão de seu próprio nome. Como se chamava,
imaginem!, Furtado, achava que mesmo em caso de flagra estaria acima de
qualquer suspeita. Nome de paciente de uma ação, a vítima, não de agente do
verbo.”
Ex.2:
“ - Furtado, devolva! Vi você
roubar.
Ele, rapazinho instruído, me ensinou:
- Roubo é quando se usa violência. Eu
apenas furtei.”
TÓPICOS
SOBRE CRÔNICA:
A crônica é um gênero literário que, a
princípio, era um "relato cronológico dos fatos sucedidos em qualquer
lugar"1, isto é, uma narração de episódios históricos. Era a
chamada "crônica histórica" (como a medieval). Essa relação de tempo
e memória está relacionada com a própria origem grega da palavra, Chronos,
que significa tempo. Portanto, a crônica, desde sua origem, é um "relato
em permanente relação com o tempo, de onde tira, como memória escrita, sua
matéria principal, o que fica do vivido".
Características
da crônica:
1. Prosa ligada à vida cotidiana;
2. Narrativa informal, familiar, intimista;
3. Uso da oralidade na escrita: linguagem coloquial;
4. Sensibilidade no contato com a realidade;
5. Síntese e leveza;
6. Uso do fato como meio ou pretexto para o artista exercer seu estilo e criatividade;
7. Diz coisas sérias por meio de uma aparente conversa fiada;
8. Uso do humor;
9. Brevidade;
10. É um fato moderno: está sujeita à rápida transformação e à fugacidade da vida moderna.
2. Narrativa informal, familiar, intimista;
3. Uso da oralidade na escrita: linguagem coloquial;
4. Sensibilidade no contato com a realidade;
5. Síntese e leveza;
6. Uso do fato como meio ou pretexto para o artista exercer seu estilo e criatividade;
7. Diz coisas sérias por meio de uma aparente conversa fiada;
8. Uso do humor;
9. Brevidade;
10. É um fato moderno: está sujeita à rápida transformação e à fugacidade da vida moderna.
A OBRA:
“O Coração Roubado e outras crônicas” é
uma obra capaz de tornar a leitura patê da vida do leitor, pois está repleta de
textos curtos, fáceis de serem compreendidos, associando diversão e reflexão.
Assim, o leitor se prende ao que está escrito e ainda é levado a questionar
sobre as ocorrências do cotidiano nas quais ele está inserido. O leitor é
levado a refletir sobre suas próprias ações. Em alguma das histórias ele vai se
encaixar.
Escritas de maneira
inteligente e instigante, as 26 crônicas de Marcos Rey apresentam uma série de tipos inesquecíveis, vivendo situações as mais diversas. Nas
páginas de Coração Roubado, você encontrará cenas hilariantes, absurdas,
constrangedoras, delicadas... presentes no cotidiano de qualquer pessoa, em qualquer lugar.
A obra é dividida em três momentos:
1. Situações
embaraçosas: apresenta fatos do cotidiano que nos fazem mergulhar num mar
de complicações. São coisas que acontecem que não podemos evitar, mas nos
encrencamos de alguma maneira.
2. Flashes
da vida moderna: mostra-nos como certos elementos da modernidade podem
trazer benefício ao homem e, ao mesmo tempo, podem suscitar certos males. A
máquina do tempo é algo surpreendente, mas pode transformar a realidade atual
de forma drástica. Há modernidades que geram complicações.
3. Figurinhas
carimbadas: que apresenta histórias sobre os chatos insistentes que nos
perseguem no dia a dia, e o pior é que na sabemos como nos livrar deles.
PARTE I: SITUAÇÕES EMBARAÇOSAS
(Quem nunca passou
por uma, levante a mão.)
01. O
coração roubado:
O cronista estava no fim do primário, quando seu pai lhe deu de presente
o livro O Coração Roubado. A dedicatória
feita pelo pai encantou o menino que, de tanto apego ao livro, o levava todos
os dias para o grupo escolar onde estudava. O livro foi roubado! Ao sair da
sala de aula o menino viu seu presente no meio dos cadernos de Plínio, o melhor
e mais dedicado aluno da sala. Sem demora pegou o livro de volta. Cresceu
duvidando do caráter de Plínio e aumentando seu ódio pelo suposto ladrão que se
tornara advogado e, em seguida, desembargador. Um dia, já adulto, sentiu
saudades do livro e foi lê-lo. Ao olhar a dedicatória, percebeu algo diferente
escrito: “Ao meu filho Plínio, com todo amor e carinho do seu pai”. A vida é realmente uma ironia, o destino,
muito mais.
02. Gnomos
na gaveta:
O cronista diz que teve um parente que via sempre diante dele um gnomo
andando de bicicleta, fazendo gestos obscenos e gritando desaforado:
“-Cafajestinho!”. Conta também que tinha um amigo chamado Egydio que mantinha
um gnomo preso dentro de uma gaveta. A esposa do escritor queria que ele
ganhasse dinheiro escrevendo sobre esoterismos, mas ele era materialista, o que
o levou a escrever um livro cujo título era: Não acredito em
gnomos. Estudou tudo sobre o assunto, criou a história, mas não pôde
escrevê-la porque um homenzinho de 5 centímetros ficava
perturbando sua paciência. O gnomo não parava de andar de bicicleta sobre a
mesa. O ato de escrever é visto aqui
como forma de ganhar dinheiro; explorar um tema modista para obter recursos
financeiros.
03. O
pingo:
Um famoso escritor disse ao cronista deste texto que passava mais tempo
cuidando da casa do que lendo ou escrevendo livros. O narrador achou estranho,
mas lembrou que, certa vez, se incomodou com um pingo que caía sobre sua testa
sempre que ia dormir, acabando por espantar seu sono e sua tranqüilidade para escrever.
Fez tudo para resolver o problema, até que um conserto da encanação pôs fim ao
incômodo. O problema é que ele continuou a ter insônia e só dormia quando sua
esposa pingava água sobre sua testa com um conta-gotas. Todo ser humano está sujeito à dependência. Ela é mostrada aqui de
forma caricatural.
04. A última entrevista:
Texto em terceira pessoa que conta sobre
um repórter que queria ser renomado, não importando o que teria que fazer para
alcançar seu objetivo. O sonhador ficou imaginando o que perguntaria a um ET ou
para Santos Dumont, e o que conversaria com Van Gogh. Lembrou também que
algumas entrevistas são perigosas (como entrevistar um fugitivo). Outras são
muito audaciosas, como quando ele conseguiu invadir um avião pilotado por um
suicida que voaria até acabar o combustível e a máquina cair. A entrevista foi
ótima, rendeu prêmio. Mas o pai do repórter teve que ir receber o troféu no
lugar do filho. O texto nos faz refletir
sobre o trabalho do repórter e o preço dos nossos sonhos.
05.
Uma noite de cão:
Um amigo chamado Ramalho sempre chegava
repentinamente na casa do cronista para repousar, era um homem meio incômodo,
mas um bom amigo. Sempre trazia algo para comer. Desta vez trouxe um frango.
Enquanto Ramalho e o cronista conversavam na sala, a dona da casa foi preparar
a mesa. Mas a cachorra Virgínia Woolf prendeu o frango nos dentes e foi para a
sala. O cronista teve muito trabalho para esconder a situação perante a visita,
que não atentava para o que acontecia. Mas a cadela foi dominada e o frango
recuperado. Ramalho devorou toda a carne da ave, deixando o peito completo para
a cachorrinha. Crônica que trabalha com
humor burlesco a questão das situações embaraçosas que podemos enfrentar.
06.
Ah! Ah! Ah!
As crises de riso que nos atacam em
certos momentos são a base temática desta crônica. Várias situações são
narradas, tais como: uma deputada que riu durante o discurso, o amigo Boanerges
que teve um ataque de riso num velório, Lima que riu durante o casamento. O cronista
conta que fez uma palestra e, durante sua defesa, caiu na gargalhada. Em pouco
tempo o salão da palestra estava cheio de pessoas rindo, mesmo sem compreender
o assunto. O prefeito exaltou o palestrante pela explosão de comédia e não pelo
conteúdo ministrado. O texto satiriza o
besteirol típico dos brasileiros.
07.
O violonista mora ao lado:
Um violonista sem talento era vizinho do
cronista na pensão em que moravam. O instrumentista resolveu visitar o escritor
e disparou a tocar violino. O cronista quase explodiu de tanto horror e
preferiu mudar de pensão. Outra vez uma bela moça pediu ao narrador para que
ele revisasse um romance que ela tinha escrito. Interessado em flertar assumiu
a missão. Mas o livro era terrível. Ele chegou a pensar que tudo isso era um
castigo por ter ajudado a moça com segundas intenções. Livrou-se dela.
Descobriu que um novo morador chagava ali na vizinhança... o antigo violonista. Temas trabalhados: o azar, as atitudes
impulsivas e as fracassadas tentativas de fuga.
08. A missivista suicida:
O cronista fala sobre a relação entre o ouvinte de rádio ou cronista de
jornal e seus ouvintes e leitores. Conta que trabalhou numa rádio, aveludando
os textos emitidos pelo locutor. O trabalho estava indo bem, até que recebeu
uma missivista (carta suicida) que dizia: “Diga
para o Luís voltar já para casa senão tomo veneno. Ele ouve o programa,
assinado: Julinha da Bela Vista”. O cronista escreveu sobre esta situação e
vários homens chamados Luís passaram a ligar para a rádio. Certa vez, alguém
chamado Leão pediu que as pessoas ligassem para ele, a fim de acabar com a sua
solidão. O cronista tentou ajudar, mas todos se confundiram e passaram a
incomodar o leão do zoológico. Relato
sobre as coincidências, azares e benefícios que as palavras provocam. Há ainda
uma sátira relacionada à futilidade de certos programas de rádio e a demência
de certos ouvintes.
PERTE II: FLASHES DA VIDA MODERNA
(Uma câmera na mãe e
nenhuma idéia na cabeça.)
01. Fila
nos bancos:
Conta sobre um assaltante que entregou um
bilhete à moça do caixa do banco. O recadinho pedia que ela guardasse todo o
dinheiro na maleta dele naturalmente. Quando o ladrão já estava com a quantia,
chegou um amigo seu e começou a conversar, atrapalhando o assalto. O ladrão
acabou tendo que deixar o dinheiro com a mocinha. Enquanto narra o assalto, o
cronista discute sobre todos os incômodos que uma fila de banco proporciona.
A narrativa é entremeada (a história do assalto e as situações
irritantes vividas pela esposa do narrador em filas de banco são contadas
simultaneamente). A crônica também ressalta a esperteza da moça do caixa.
02. Ele
comprou tudo que Van Gogh pintou:
Um cientista reinventou a máquina do tempo. Fez vários testes: enviou
uma garrafa de vinho para o passado, uma galinha e até um bêbedo, o Gera, que
voltou feliz por ter ido ao carnaval referente ao ano da canção “Ó nega do
cabelo duro qual é o pente que te penteia?”. A intenção do cientista não era
fazer sucesso com a máquina, e sim, voltar ao ano de 1889 e comprar toda a obra
de Van Gogh. Volta, encontra o pintor sem orelha, compra tudo e ainda dá um
conselho para que o pobre artista louco invista em ações no novo invento, o
telefone. Ao retornar para o presente, ninguém conhecia mais as telas nem o
nome de Van Gogh, todo o dinheiro gasto em telas foi em vão. O nome do pintor só
constava numa enciclopédia como o homem que enriqueceu graças à compra de ações
da Companhia Telefônica. O cientista apagou a memória do pintor nos anais do
mundo. A modernidade traz vantagens, mas
pode acarretar certos problemas para o momento presente. Os arranques da
modernidade devem ser pensados, planejados e discutidos para que não terminem
prejudicando o momento atual.
03. Essa
mocidade de hoje...
O cronista começa o texto discutindo sobre as intempéries da juventude.
Conta sobre um filho que é viciado em cheirar pó e não tem conseguido progredir
por causa deste impedimento. Outro filho vive no mundo da lua e da música. O
moço pula a janela durante a noite para fazer serenata nas janelas das pessoas
que precisam dormir para acordar cedo e trabalhar no dia seguinte. O filho
menor é viciado em lanterna mágica, um aparelho óptico que amplia e projeta
imagens iluminadas. “Pó que vicia, ritmos anti-sociais, máquinas diabólicas.
Caluda!” O cronista reclama dos males do nosso século.
O nosso século tem sido um berço de
criação de invenções que não ajudam o jovem a se concentrar, ao contrário,
muitas coisas afastam a mocidade do foco da vida real e os jovens se iludem, ou
querem fugir das coisas do presente. Quanto mais o tempo passa, maior é a
quantidade de vícios que estão diante dos jovens.
04. Cães
de apartamento:
Virgínia Ebonny Spots era uma dálmata muito elegante que morava na
cobertura do cronista. Mas, os vaivens da vida fizeram com que a família se
mudasse para um pequeno apartamento e a cadela ficou apertada num espaço
limitado, além de sofrer o desprezo dos que não concordavam com a permanência
de animais em
condomínio. Virgínia terminou morrendo idosa. Noutro dia seu
Barcelos conversou com o cronista, solicitando que este não contasse aos
vizinhos que ele também tinha uma poodle, a Janete. Quando alguém questionava
sobre os latidos no andar, o cronista respondia que o som vinha do apartamento
26, mas não era cachorro, era seu Barcelos que tinha mania de imitar bichos.
Assim, Janete foi poupada e o síndico foi no 26 apostar quem fazia melhor
imitação. As regras dos prédios ferem os
sentimentos e individualidades dos moradores.
05.
Marketing oportunista:
O texto ressalta o fato de que as coisas
do passado ou do futuro é que fazem sucesso. Escrever sobre o presente não
vende. Ele recebeu até um conselho para escrever sobre dinossauros: seria um
triângulo amoroso, dois homens e uma mulher, sendo que todos eles perseguidos
por um dinossauro no meio do Viaduto do Chá. O cronista achou um absurdo, mas,
durante a noite sonhou com dinossauros pela cidade servindo de outdoors
ambulantes de diversas empresas. Outros animais foram presos para simular a
fúria e captura deles e outros ainda faziam campanha na rua contra a violência
e exploração do pobre bicho quase em extinção. No dia seguinte, o cronista acorda e
considera que história com dinossauros no meio da cidade é coisa de louco, “mas
quem não é hoje em dia?”. O texto trata
sobre a elaboração de um livro comercial.
06.
Brilhantes currículos:
O cronista se revolta por ter sido
recusado numa vaga de um emprego por conta do seu currículo que foi considerado
pobre. Ele apenas apresentou informações básicas, que valorizavam sua
capacidade como profissional. Os eventos menos interessantes foram poupados. Um
tempo depois sua esposa noticia que há um emprego à vista, bastando apenas
enviar a carta e o currículo. Para evitar negativas, o cronista preenche os
espaços com as informações mais banais e inusitadas. Mesmo com toda cultura
minuciosamente descrita nas intermináveis folhas ele perdeu a vaga, pois quem a
preencheu foi o candidato que apresentou uma única linha escrita no seu
currículo: “Sobrinho do Ministro Azambuja Ribeiro”. O “jeitinho” brasileiro sempre em voga.
07.
Desculpe, foi engano:
O texto trata dos telefonemas por
engano. O cronista relata vários episódios em que a pessoa do outro lado da
linha insistia numa ligação sem sentido entre os falantes, mesmo estando
totalmente equivocado. Por fim, uma ligação por engano termina trazendo para o
cronista a possibilidade de trabalhar no ramo de vendas de computadores e a
sorte de um bom negócio. A crônica
enfatiza a situação das confusões cometidas por equívocos via fone, a
impaciência dos interlocutores, a questão da sorte e do azar que se pode
alcançar por meio de ocorrências incomuns.
08.
Táxi! Táxi!
Nesta crônica temos uma abordagem envolvendo a vida de quem dirige táxi ou
de quem precisa deles para se locomover.
O cronista fala sobre antigo nome dado aos taxistas - chauffeur, fala
sobre brigas com taxistas que votavam em candidatos opostos ao do passageiro,
taxistas astrólogos, carros com aparatos holywoodianos e ainda taxistas que
passavam o tempo todo falando asneiras. Notou então que o motorista passou do
ponto desejado e se surpreendeu com a resposta do taxista: “- Perdão. Estava
pensando na quantidade de passageiros doidos que sobem no meu carro”. O
pensamento que temos a respeito dos outros pode ser exatamente o pensamento que
os outros tem de nós. Toda profissão tem
suas vantagens, seus males, seus benefícios e seus tédios.
09. O
nocaute inesquecível:
O
cronista uma vez surpreendeu seus colegas de serviço. Ele trabalhava num
Departamento de Esportes da TV Tupi, Sumaré. Todos assistiam a uma disputa de
pesos médios. Enquanto seus colegas apostavam no lutador Tommy, o cronista
afirmou com toda certeza que Jack estava preparando um gancho para o quarto
assalto. Jack já estava decaído. Tommy parecia que já estava com coroa de
vencedor, quando, no quarto assalto, Jack soltou um gancho elástico e eliminou
seu adversário. Os colegas de trabalho ficaram tão admirados com a perspicácia
do cronista que ele foi convidado para ser comentarista de lutas de boxe. O
cronista não aceitou, e mais, já tinha assistido aquela luta anteriormente umas
duas ou três vezes. O narrador engana os
personagens da história e chega até a enganar o leitor, que só no final
descobre que o cronista já sabia do resultado da luta. Será que é possível
obter algum resultado benéfico na vida apenas lançando um dado de sorte?
PARTE III: FIGURINHAS CARIMBADAS
(Quanto não
pagaríamos para esquecer certos tipos inesquecíveis.)
01. Memórias
urbanas:
O cronista inicia o texto falando sobre a
memória. Faz um levantamento de tudo que lembra desde os seus três anos de
idade até o presente, vivendo em
São Paulo: os recantos da cidade, o filme sem sucesso que ele
fez, o livro que escreveu e o anúncio de um cola-tudo que produziu. Finalmente
decidiu fazer um livro de memórias que se passam no futuro pelo fato de ser
mais tranqüilo e não ter que ficar lembrando histórias do passado. É uma
crônica de humor bizarro.
02. Adão
Flores, o detetive:
Adão era um detetive esquisito que atendia os clientes dentro do seu
carro. Além de detetive ele era empresário, só contratava quem soubesse cantar
Sabra Dios. A sua secretária Maralice já vivia no banco de trás do automóvel.
Um dia um homem solicitou que Adão prendesse Ramon Diaz, que, inclusive, já
tinha sido artista contratado do detetive Flores. Na hora de prender o acusado
de roubo, Adão pagou para que o moço cantasse Sabra Dios. O homem cantou, mas
foi preso mesmo assim, levando apenas o dinheiro desta última apresentação.
Adão termina dizendo que “São Paulo não é mais a mesma. Nem ele”. O autor ironia o tipo humano caricatural.
03. Ódio
à primeira vista:
Conta a história de Moacir e Guanabara que se odiaram desde o dia em que
foram apresentados, mas não havia um motivo exato para esse ódio. A cidade
conhecia a discórdia entre os dois, que se agravou quando ambos se apaixonaram
por Suzaninha. Ele recusou o amor dos dois por não suportar o repetitivo tema
do ódio recíproco. Um dia, sem querer, os dois inimigos descobriram que
nasceram na mesma cidade – Serraninha. Por causa disso, ficaram amigos e
formaram uma dupla caipira – Moacir e Guanabara. O texto trabalha a questão dos enganos que cometemos e as surpresas que
a vida pode nos revelar.
04. Gente
que vai à feira:
O cronista conta que odiava ir à feira quando era criança. A mãe lhe
comprava muitas coisas, mas a chateação era a mesma. Na mocidade, instalaram
uma feira perto de onde morava, trazendo incômodo. Depois de casado, sua esposa
foi lhe ensinando a apreciar a feira. Ele passou a ver que todo tipo de pessoa
freqüenta esse ambiente, que já virou um tipo de shopping aberto. Lá no meio
das barraquinhas uma moça pediu um autógrafo ao cronista. Ele logo imaginou que
o motivo do seu sucesso tinha sido um livro que publicou. Quando uma fila de
supostos fãs estava formada disputando a famosa assinatura do escritor, alguém
gritou: “- Ele é o doutor Lilico da novela das 7. Conte o final pra gente,
conte”. A feira é o retrato brasileiro
do muito (variação de produtos e
objetos) e do pouco (cultura).
05.
O gordo da Augusta:
Um dia o cronista estava andando pela
Augusta e um gordo o confundiu com um certo Laranjeira. Depois do engano ter
sido esclarecido, o cronista disse que muitas pessoas já cometeram erros por
falarem com uma pessoa pensando que ela é um amigo. Por fim, outro homem surgiu
abraçando o cronista, chamando-o de Laranjeira e ainda zombando do gordo
Mendonça que há alguns dias atrás confundiu um qualquer com o inesquecível
Laranjeira. Não sabia o moço que também estava cometendo o mesmo erro. Todos
nós estamos sujeitos ao erro, confusão e enganos.
06.
Procurando Telma Ternura:
O narrador precisava de uma reportagem
que emocionasse muitos leitores. Decidiu então falar sobre Telma Ternura, a
ex-rainha da pornografia paulista. Procurou desesperadamente a velhinha, até
encontrá-la numa antiga mansão dos barões do café. Ela exigiu dinheiro para ser
entrevistada. O repórter vendeu tudo que tinha, pagou à velha, obteve o
material. Ao entregar tudo ao editor, este lhe informou que Telma já havia
falecido há 20 anos. Revoltado por ter sido enganado, voltou ao casarão e
exigiu falar com a mulher. Os novos inquilinos da casa informaram que ela tinha
ido embora e que era charlatã, enganava para ganhar dinheiro, já tinha até se
passado por Greta Garbo. Os artifícios
da esperteza não são típicos da juventude, e sim, da necessidade.
07.
O rei do boca livre:
É a história de um homem que era penetra
de todas as festas elegantes. Por se portar como perfeito cavalheiro se passava
por celebridade, mas sempre se mantinha no caminho mais tramitado pelos
garçons. O penetra sumiu por uns tempos,
até que apareceu numa foto compondo a mesa principal da festa da Convenção de
Gerentes Lojistas. Um tempo depois, houve uma festa em homenagem ao cronista e
lá estava o boca livre, também posando para a foto. O ilustre penetra não se
contentava mais com comes e bebes, queria flashes. A crônica é uma comédia sobre penetras.
08.
Os furtos e o furtado:
Narra, em terceira pessoa, sobre o Furtado,
homem sério, sisudo, clássico no vestir e de bom comportamento. O cronista nos
conta que quando eram crianças o Furtado começou a roubar pequenos objetos.
Como foi pego no flagra pelo cronista, tornaram-se confidentes. Furtado não se
considera cleptomaníaco, pois roubava produtos para uso próprio. Um dia,
decidiu desabafar com o cronista, relatando suas últimas aventuras no furto.
Depois de tudo, Furtado pediu ao cronista para não escrever um texto sobre este
episódio. Mas ele escreve. Confiar integralmente nos outros é bem difícil.
09. O
Pra Lua
O Pra Lua é um nome dado a um indivíduo que solicitou uma biografia ao
cronista. A crônica inteira é uma síntese da vida de O Pra Lua cheia de
acontecimentos ora bons ora ruins. O texto trata de sorte, azar, o destino do
homem, o acaso, tudo que a humanidade ainda questiona, sem ter certeza de nada.
EXERCÍCIOS
01. Texto I: Os Furtos e o Furtado (O
Coração Roubado)
“Tudo aconteceu, suponho, por sugestão de seu próprio
nome. Como se chamava, imaginem! Furtado, achava que mesmo em caso de flagra
estaria acima de qualquer suspeita. Nome de paciente de uma ação, a vítima, não
de agente do verbo.
- Furtado, devolva! Vi você roubar.
Ele, rapazinho instruído, me ensinou:
- Roubo é quando se usa violência. Eu apenas furtei.”
- Furtado, devolva! Vi você roubar.
Ele, rapazinho instruído, me ensinou:
- Roubo é quando se usa violência. Eu apenas furtei.”
O trecho em destaque (vi você roubar)
apresenta uma leve presença da...
a) Ironia; b) Aliteração; c) Pleonasmo;
d) Anáfora; e) Hipérbato.
d) Anáfora; e) Hipérbato.
02. Podemos considerar o fragmento acima de
"O Coração Roubado”, quanto ao
gênero...
a)
Narrativo,
pois levanta uma sucessão de fatos que se desenrolam cronologicamente, seguindo
a adequada seqüência das partes da epopeia.
b)
Lírico,
pois trata da emoção da personagem diante dos furtos do pobre Furtado.
c)
Épico,
por tratar de um fato histórico cronologicamente comprovado – um roubo sob a
desculpa da necessidade financeira.
d)
Narrativo,
pois apresenta personagens, consistindo numa seqüência de fatos contados por um
narrador.
e)
Dramático,
por se tratar de uma dramatização criada para ser representada em palco.
03. Escritas de maneira
inteligente e instigante, as 26 crônicas de Marcos Rey apresentam uma série de tipos inesquecíveis, vivendo situações as mais diversas. Nas
páginas de O Coração Roubado, você encontrará cenas hilariantes,
absurdas, constrangedoras, delicadas... presentes no dia - a- dia de qualquer pessoa, em
qualquer lugar.
As crônicas estão agrupadas em três subtítulos:
1. Situações embaraçosas
2. Flashes da vida moderna
3. Figurinhas carimbadas
Que se referem aos seguintes temas:
( ) Observação dos acontecimentos próprios da
modernidade que, às vezes, ajudam o homem e, às vezes, trazem conflito para o
cotidiano.
( ) Apresentação de situações nas quais os
indivíduos nos causam vontade de evitar contato com a sociedade.
( )
Equívocos e enganos que nos fazem passar por momentos complicados.
A sequência exata é:
a) 2-1-3;
b) 2-3-1; c) 3-1-2; d) 1-2-3; e) 3-1-2.
04. Leia o texto e marque a correta:
TEXTO II: “Eu cursava o último ano do
primário e como já estava com o diplominha garantido, meu pai deu um presente
muito cobiçado... (...) passando pelas carteiras, vi
a lombada do livro, bem escondido sob uma pasta
escolar. Mas era lá que se sentava o Plínio, não era? Plínio, o primeiro da
classe em aplicação e comportamento, o exemplo para todos nós.” (Coração
roubado)
a) O protagonista, levando em consideração a sua
opinião sobre Plínio (ele tem certeza de que Plínio roubou seu livro, mas isto
não aconteceu), nos traz a idéia de justiça e maturidade.
b) Apresenta tom confessional, pois assume a
injustiça que cometeu o longo da vida em relação ao aluno Plínio.
c) É uma obra que não dispensa a vertente
moralizadora, visto que a o comportamento dos personagens visa alimentar a
integridade do leitor.
d) É obra de afirmação das distâncias, pois ela
ressalta a divisão da sociedade brasileira – justos e ladrões.
e) É um texto de formação e não pode ser uma
crônica, pois há pouca reflexão a ser feita sobre o tema.
05.
Releia o texto II e os fragmentos abaixo e os relacione aos seus respectivos
assuntos gerais. A base desta questão é a obra “O Coração Roubado”, que se subdivide em partes temáticas
específicas.
TEXTO
III:
-Por favor, chame o Lineu.
Não era a primeira vez que me pediam isso.
Todos os dias a mesma voz apressada. Desagradava-me o tom impositivo, patronal. Berrei:
-Linnneeeuuu! Linnneeeuuu! Linnneeeuuu!
-Como o folgado demora pra atender. -
protestou o impaciente.
-Suponho que seja porque não há nenhum
Lineu aqui. Moro sozinho. Mas não me custa insistir: Linnneeeuuu.
Se
tivesse a mania de anotar, já teria um livro volumoso sobre enganos
telefônicos. Por azar sou uma vítima diária, geralmente nos momentos menos
desejáveis. Outro dia foi às três da madrugada.” (Desculpe, foi engano)
TEXTO IV:
Quando
uma fila de supostos fãs estava formada disputando a minha assinatura, alguém
gritou: “- Ele é o doutor Lilico da novela das 7. Conte o final pra gente,
conte.” Mas eu não era ator e todos insistiam nisso.
A
sequência dos textos revela que eles pertencem às seguintes partes da obra:
A. Figurinhas carimbadas
B. Situações embaraçosas
C. Flashes da vida moderna
B. Situações embaraçosas
C. Flashes da vida moderna
A
correta relação é:
a)
IIA / IIIB /IVC; b) IIA / IIIC / IVB;
c)
IIC / IIIA / IVB; d) IIB / IIIA / IVC;
e)
IIB / IIIC /IVA.
OBRAS;
CARTAS CHILENAS
(Tomás Antônio Gonzaga)
Cartas Chilenas são 13 cartas escritas por
Critilo relatando os desmandos, atos corruptos, nepotismo, abusos de poder,
falta de conhecimento e tantos outros erros
administrativos, jurídicos e morais quanto pudessem ser relatados em versos decassílabos do
"Fanfarrão Minésio" (o governador Luís Cunha Meneses) no governo do
"Chile" (a cidade de Vila
Rica). Elas são sempre dirigidas a "Doroteu" (que tem uma epístola após as 13 cartas),
ninguém mais do que Cláudio Manuel da
Costa.
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA:
1. É considerado um dos grandes poetas do
Arcadismo brasileiro, e seus versos, fugindo à tendência da época, são marcados
por expressão própria, pela harmonização dos elementos racionais e afetivos e
por um toque de sensualidade pouco pronunciado, senão ausente, nos outros
autores árcades;
2.
A
sua poesia apresenta as típicas características árcades: o pastoril, o bucólico, a Natureza amena,
o equilíbrio. Paralelamente, possui características pré-românticas
(principalmente na segunda parte de Marília de Dirceu, escrita na prisão):
confissões de sentimento pessoal, ênfase emotiva estranha aos padrões do
neoclassicismo, descrição de paisagens brasileira;
3. O convívio com o Iluminismo põe em seu estilo a preocupação em atenuar as
tensões e racionalizar os conflitos.
PERSONAGENS:
A) Critilo: O Autor da carta, supostamente Tomás Antonio
Gonzaga, que escreve ao amigo narrando os eventos ocorridos em Chile, para se
referir a tudo que acontece na Capitania. O que se pode notar, pelo texto, em
análise interna, é o letramento do personagem e sua instrução em leis.
B) Doroteu: O destinatário da carta, alegadamente o poeta
Cláudio Manuel da Costa, mas é um personagem criado como destinatário genérico,
um interlocutor culto e também versado em lei e que notaria as referências de
Critilo à literatura clássica e práticas jurídicas do reino.
C) Governador: O
governador de Chile (Fanfarrão Minésio) com toda certeza se refere a Cunha
Menezes, nobre português sem formação jurídica que se prestou a inúmeros desmandos na gestão de seu cargo
na Capitania. O autor usa intermináveis apóstrofes depreciativas ao personagem:
“o nosso chefe” (com ironia), “louco chefe”, “chefe tão soberbo”, etc. Todos os
recursos retóricos para a degradação do personagem são empregados pelo autor,
nesta carta, os argumentos nesse sentido são a ignorância jurídica e a falta de
fundamentos nas atitudes de sua gestão. O personagem encarna e sintetiza todo mal da Capitania, estendendo a
seus subordinados os mesmos vícios.
AS CARTAS:
1ª Carta : Critilo chama Doroteu: - ‘Acorda!’ fazendo leve digressão a respeito do sono, seus delírios e sonhos. Expõe o motivo da carta: o Chefe novo. Afirma ser a história verdadeira, e começa a descrever o personagem. Critica seus modos pouco humildes e descreve situações que demonstram isso. Após isso começa a descrever o grupo que o acompanha e suas más qualidades. Descreve a entrada do grupo na cidade á noite e cita a aparição de um cometa. Novas cenas que demonstram a pobreza de espírito do Chefe, e termina se dirigindo ao próprio, repreendendo-o.
2ª Carta: Descreve fingimentos do Chefe (Fanfarrão Minésio) – como dissimulou ter uma alma amante da virtude – perdoando e redimindo pessoas de seus delitos. Estes, por outro lado, como corvos e abutres, vinham de toda parte para se aproveitarem dos atos fingidos. No final, Critilo questiona Doroteu: como pode alguém de tais atos ser sério, e, como pode ser chefe onipotente alguém que não sabe escrever uma só regra onde se encontre um nome certo.
3ª Carta: O Chefe começa agora a construir uma cadeia majestosa. Para isso consome todos os rendimentos do senado, prende e tortura a muitos negros já livres, homens da raça do país, e da Européia para trabalharem forçados na construção.
4ª Carta: A carta inicia com o poeta relatando ao seu amigo Doroteu que havia sido convidado para jantar com outro amigo, o Alceu. No entanto, o exercício da escrita lhe é tão prazeroso que ele nega o convite. No entanto, o poeta afirma ser prazeroso ao corpo e não ao espírito. Critilo só apresenta fatos tristes, desagradáveis, ruins para sua alma. O que o perturba em especial é o seu Chefe, Fanfarrão Minésio, o modo como ele administra seus homens, o seu local de trabalho e a sua família. Compara-o com Nero e com Cristo. Como o primeiro, segue devastando todo o país e diferentemente do segundo, não está preocupado em salvar o povo.
5ª Carta: Critilo pede a Doroteu que deixe a tristeza de lado, pois as novas que traz do Reino devolverão o sorriso ao seu rosto. À chegada da esposa, também surge uma peculiar lei que trata das festividades a serem realizadas. Conta como os senadores, absortos com tal acontecimento, mandam esvaziar os cofres públicos à custa do sofrimento alheio. Com a discussão causada, vão todos ao juiz que dá o veredicto: “confisquem terras e bens, há dinheiro!”, e então baixam a cabeça os indignados. No grande dia, correrias. Todos estão estupefatos com o evento. Após a missa, a celebração do pomposo acontecimento; nobres e bispos sobem na carruagem. Passam por entre o povo como se estes fossem hostes militares. Muito mais foi visto e registrado, mas ficará para outra carta.
6ª Carta: Critilo descreve o cenário da festa: frente ao Curro, um camarote, “mais alto que todos uma braça”. Nele está o Chefe e sua Corte. Nos outros camarotes estão as famílias ricas, onde Critilo vê Nise, sua amada. Vê também aproximar-se dela um soldado, ofertando-lhe uma flor, que a jovem prega no peito. Em fúria, Critilo saca o florete e... acorda, percebendo ter sido tudo um sonho. Passa então a relatar o que lembra: entram os Cavaleiros na Praça, a todos cortejam, e iniciam os jogos, que dura toda a tarde. À noite vai-se para a praia, onde as pessoas estão a namorar, e o próprio Chefe vem para brincar com as moças. A noite termina com uma queima de fogos. No outro dia, uma história: morre a mulher do rabequeiro e o Chefe diz que irá preso se não tocar à tarde. Ao vê-lo chorando, entrega-lhe um pacote, que parece ser dinheiro, mas que, ao abri-lo, o rabequeiro descobre serem balinhas contra as lágrimas. A festa segue muitos dias com as touradas.
7ª Carta: Relata os abusos e corrupções realizadas no governo do “Fanfarrão Minésio” em relação a cobrança de impostos e dívidas, consentimento para exploração de terras fraudados, e proteção econômica e políticas a um seleto grupo ligado ao Governo .
8ª Carta: Critilo relata indignadamente que Fanfarrão Minésio determinava quem era culpado e como os injustos magistrados acatavam e cumpriam tais determinações.
9ª Carta: O Chefe absolve os soldados de qualquer acusação criminal para manter as tropas sempre o apoiando. Fanfarrão vende patentes, e obriga pessoas que mereciam um posto mais alto a pagar pela promoção. Toda população é convocada para o exército, sendo este formado de milícia, e em sua maioria, por crianças e mulheres. Na cavalaria, somente são aceitos os que possuam e possam sustentar seu próprio cavalo, e alguns soldados são obrigados a vender todos os seus bens e até mesmo a roubar para poder comprar uma montaria, ou para adquirir e consertar a farda. Comerciantes deixam de sê-lo para entrarem no exército, onde, com dinheiro, é fácil subir de patente. Fica sendo proibido cobrar dívidas de um membro do exército. Quando algum juiz indicia um soldado, o Chefe envia uma tropa para apagar ou destruir os autos do processo.
10ª Carta: Descreve medidas contraditórias absurdamente autoritárias de Fanfarrão Minésio. Incluem-se: mandos e desmandos abusivos sob a população em geral, ou indivíduos; extorsão de dinheiro por causa infundada; atos de crueldade e despotismo.
11ª Carta: Trata da vida noturna da alta sociedade palaciana com conversas em tom de fofoca - nas quais os julgamentos são estabelecidos a partir de um código moral hipócrita e interesseiro -, e de relações sexuais com amantes e prostitutas. Também é narrado um episódio no qual Fanfarrão arranja um casamento entre sua amante, viúva rica, e um pobre oficial militar. Evidencia-se o abuso de poder e diversos de seus reflexos - impulsionados, em sua maior parte, pelo interesse de quem se beneficia, seja por consequência direta de seus resultados, ou por recompensa posterior – com aceitação inquestionada de distorções morais (formação de opinião), troca de favores numa espécie de efeito dominó e desvio de recursos públicos em favor particular.
12ª Carta: O incansável Critilo continua a falar do Fanfarrão, o injusto e "indigno chefe". Exemplifica como abusava do seu poder prejudicando a muitos. E quando foi contestado, puniu quem o fez. Insolências estas que só se pode ver quem mora em Chile, diz.
13ª Carta: Esta curta carta (da qual restam excertos) compara a ligação que outros líderes tentaram fazer com a religião a fim de enganar o povo à custa de sua ignorância.
ABORDAGENS:
1. Cartas Chilenas é um conjunto de
poemas, escritos em versos decassílabos e brancos, com uma metrificação parecida
com a da epopéia, e circularam anonimamente em Vila Rica, entre 1787 e
1788, seus versos assumem um tom satírico.
2. É uma obra satírica, constituindo poema
truncado e inacabado (13 cartas), na qual um morador de Vila Rica ataca a
corrupção do Governador Luís da Cunha Menezes. Aponta as irregularidades de seu
governo, configurando o ambiente de Vila Rica ao tempo da preparação política
da Inconfidência Mineira. Em julho deste ano de 1878, Cunha Menezes deixaria o
governo de Minas, em favor do Visconde de Barbacena.
3. Onde se deveria ler Portugal, Lisboa,
Coimbra, Minas e Vila Rica, lê-se Espanha, Madrid, Salamanca, Chile e Santiago.
Os nomes aparecem quase sempre deformados: Menezes é Minésio. Há apelidos e
topônimos inalterados, como: Macedo, a ermida do Senhor Bom Jesus de
Matosinhos, a igreja do Pilar. O autor se dá o nome de Critilo e chama o
destinatário de Doroteu. Finalmente, os fatos aludidos são facilmente
identificados pelos leitores contemporâneos.
4. A matéria é toda
referente à tirania e ao abuso de poder do Governador Fanfarrão Minésio,
versando a sua falta de decoro, venalidade, prepotência e, sobretudo,
desrespeito à lei. Afirmam alguns que o poema circulava largamente em Vila Rica em cópias
manuscritas.
5.
Critilo (Tomás Antônio Gonzaga) aplica-se de tal modo na sátira, que a beleza
mal o preocupa. Os versos brancos concentram-se no ataque.
6.
Para Critilo, o arbitrário Governador constituía, de certo modo, atentado ao
equilíbrio natural da sociedade. Entretanto, não se nota nas Cartas nenhuma
rebeldia contra os alicerces do sistema colonial, nem mesmo uma revolta contra
o colonizador; apenas se critica a má administração do governador Cunha
Menezes.
7.
Sendo anônimo o poema e tendo permanecido inédito até 1845, houve dúvida quanto
à sua autoria, embora a tradição mais antiga apontasse Gonzaga sem hesitação.
8. Quem assina essas cartas é um certo
Critilo, que escreve a um amigo, Doroteu. As Cartas têm em Cunha Menezes o seu
protagonista. Além do viés satírico, a obra constitui um interessante quadro
dos costumes daquela época e um registro precioso do que era a corrupção no
Brasil.
O
Coração Roubado
Eu cursava o ultimo ano do primário e como já
estava e com o diplominha garantido, meu pai me deu um presente muito cobiçado:
O coração, famoso livro do escritor italiano Edmondo de Amicis, best-seller
mundial do gênero infanto-juvenil. Na página de abertura lá estava à
dedicatória do velho, com sua inconfundível letra esparramada. Como todos os
garotos da época, apaixonei-me por aquela obra-prima e tanto que a levava ao
grupo escolar da Barra Funda para reler trechos do recreio.
Justamente no último dia de aula, o das
despedidas, depois da festinha de formatura, voltei para a classe a fim de
reunir meus cadernos e objetos escolares, antes do adeus. Mas onde estava O
coração? Onde? Desaparecera. Tremendo choque. Algum colega na certa o furtara.
Não teria coragem de aparecer em casa sem ele. Lá informar a diretoria quando,
passando pelas carteiras, vi a lombada do livro, bem escondido sob uma pasta
escolar. Mas... era lá que se sentava o Plínio, não era? Plínio, o primeiro da
classe em aplicação e comportamento, o exemplo para todos nós.
Inclusive o mais limpinho, o mais bem
penteadinho, o mais tudo. Confesso, hesitei. Desmarcar um ídolo?Podia ser até
que não acreditassem em
mim. Muitos invejavam o Plínio. Peguei o exemplar e o guardei
em minha pasta. Caladão. Sem revelar a ninguém o acontecido. Lembro do abraço
que Plínio me deu à saída. Parecia estar segurando as lagrimas. Balbuciou
algumas palavras emocionadas. Mal pude retribuir, meus braços se recusavam a
apertar o cínico.
Chegando em casa minha mãe estranhou que eu não estivesse muito feliz.
Já preocupado com o ginásio? Não, eu amargava minha primeira decepção. Afinal, Plínio
era um colega que devíamos imitar pela vida afora, como costumava dizer a
professora. Seria mais difícil sobreviver sem o seu exemplo. Por outro lado,
considerava se não errara em não delatá-lo. “Vocês estão todos enganados, e a
senhora também, sobre o caráter de Plínio. Ele roubou meu livro e depois ainda
foi me abraçar...”
Curioso, a decepção prolongou-se ao livro de
Amicis, verdadeira vitrina de qualidades morais dos alunos de uma classe de
escola primária. A história de um ano letivo coroado de belos gestos. Quem sabe
o autor não conhecesse a fundo seus próprios personagens. Um ingênuo como nossa
professora. Esqueci-o.
Passado muitos anos reconheci o retrato de
Plínio num jornal. Advogado, fazia rápida carreira na Justiça. Recebia
cumprimentos. Brrr. Magistrado de futuro o tal que furtara meu presente de fim
de ano! Que toldara muito cedo minha crença na humanidade! Decidi falar a
verdade. Caso alguém se referisse a ele, o que passou a acontecer, eu garantia
que se tratava de um ladrão. Se roubava já no curso primário, imaginem agora...
Sempre que o rumo de uma conversa levava às grandes decepções, aos enganos de
falsas amizades, eu contava, a quem quisesse ouvir, o episódio do embusteiro do
Grupo Escolar Conselheiro Antônio Prado, em breve desembargador ou secretário
de Justiça.
- Não piche assim o homem – advertiu-me minha
mulher.
- Por que não? É um ladrão?
- Mas quando pegou seu livro era criança.
- O menino é o pai do homem – rebatia,
vigorosamente.
Plínio fixara-se como um marco para mim. Toda
vez que o procedimento de alguém me surpreendia, a face oculta de uma pessoa
era revelada, lembrava-me irremediavelmente dele. Limpinho. Penteadinho. E com
a mão de gato se apoderando de meu livro.
Certa vez tomaram a sua defesa:
- Plínio, um ladrão? Calúnia! Retire-se de
minha presença.
Quando o desembargador Plínio já estava
aposentado, mudei-me para o meu endereço atual. Durante a mudança alguns livros
despencaram de uma estante improvisada. Um deles O coração, de Amicis.
Saudades. Havia quantos anos não o abria? Quarenta ou mais? Lembrei da
dedicatória de meu falecido pai. Ele tinha letra boa. Procurei-a na página de
rosto. Não a encontrei. Teria a tinta se apagado? Na página seguinte havia uma
dedicatória. Mas não reconheci a caligrafia paterna.
“Ao meu querido filho Plínio, como todo amor
e carinho do seu pai.”
Fila
nos Bancos
O cliente engravatado sorriu e entregou à
simpática caixa do banco um cartão, escrito à máquina: “Vá enchendo a maleta.
Comporte-se com naturalidade. Estou segurando uma arma. Obrigado”
Não freqüento agências bancárias, serviço
assumido por minha mulher. Perder nas filas tempo que emprego escrevendo
resultaria em prejuízo financeiro. No
geral a consorte volta exausta e indignada com alguma coisa. A espera, que ás
vezes começa a quilômetros do guichê, sempre expõe a alguma convivência
desagradável. A impaciência, o lento passo a passo suscitam inimizades. A
maioria força o diálogo oferecendo balas, caramelos e biscoitos. “Experimente,
são deliciosos”. Por educação ela aceitou uma dessas delícias: sofreu na fila
mesmo uma cólica violente, não suporta nada que tenha coco. Uma vovó levava no
colo uma criança que amou minha mulher à primeira vista e quis mudar de peito.
“Segure ela um pouquinho, gostou da senhora.” Embora não houvesse reciprocidade,
minha cara-metade foi gentil. Aconteceu exatamente o que vocês estão
adivinhando. Ou sentindo o odor.
Mas eu contava a história do ladrão de banco.
A caixa nem olhou para os lados para que o
assaltante não pensasse que ela pedia socorro. Diante dela, o falso cliente
mantinha o mesmo sorriso imóvel. A maleta preta já estava aberta sobre o
guichê. Hesitou. Então ele parou de sorrir e mexeu o braço armado. Ela
depositou o primeiro maço de notas de dez na maleta.
Em época de eleições não é seguro revelar o
nome de seu candidato nas filas, diz-me minha mulher. Já vi gente se sair mal
por isso. Brigar é uma forma de preencher o tempo. Ela se queixa em especial
dos portadores de mau hálito, justamente os chegados às confidências cara a
cara. Companheiro de filas para alguns é como padre em confessionário. Mas
há coisas piores. Uma tarde minha mulher voltou da agência possessa. Um
cavalheiro atrás dela, fumando um charuto, perguntou-lhe: “Não está sentindo um
cheiro de queimado?” Distraidamente ele fizera um furo em seu vestido. Sabem
quanto me custou a distração?
Além das confissões constrangedoras, também
há aquelas correntistas que pedem conselhos – não sobre aplicações. Depois da
narração de uma história trágica, perguntam ansiosamente como se a uma velha
amiga: “ Em meu lugar o que a senhora faria? Devo fazer isto ou aquilo? Devo
permitir que minha filha saia com ele?”. Outro dia minha mulher chegou em casa
trêmula. Uma mãe desesperada, da qual nem lembrava, acercara-se dela,
ameaçadoramente, no banco: “Fiz o que aconselhou e sabe qual o resultado? Minha
filhinha há três meses desapareceu com o cafajeste...”
Mas eu contava a história do ladrão de banco.
A caixa foi colocando os maços de dinheiro
dentro da maleta preta. Lentamente, o que irritava o assaltante. Atrás dele a
fila crescia. E a fila também ao lado. O assalto praticado por um homem só
porém prosseguia, a cada segundo mais tenso em meio ao movimento da agência,
protegida por guardas fardados.
- O mais chato são certos encontros –
garantiu minha mulher. – Gente que não vemos há décadas e das quais nem
lembramos mais.
Como a saudade atua nos músculos! Ela
mostrou-me o vestido amassado. Uma vizinha de infância, pesando uns 80 quilos,
quase a matara comprimindo-a entre os braços. Isso enquanto lambuzava-lhe o
rosto com beijos prolongados. Até seus cabelos ficaram em estado lamentável.
Despregou-se um botão, Nada mais inconveniente que topar com antigos conhecidos
em hora errada!
Mas eu contava a história do ladrão de banco.
Subitamente um cavalheiro aproximou-se do
assaltante com um palmo de sorriso. Colocou-se entre ele e a moça.
- Batista, você! Há quanto tempo! Ainda esta
semana conversei com seu tio no supermercado! Me dê um abraço, amigão! Mas, o
que é isso? Vai sair por aí com esse baú cheio de dinheiro? Não tem medo de
ladrões, não?
Batista olhou para o chão, mas não viu o
buraco algum para esconder-se.
A caixa, sorrindo, ao amigo dele:
- Seu Batista não vai sair com esse dinheiro,
não; ele veio depositar.
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