sábado, 30 de junho de 2012

Realismo/Naturalismo no Brasil



A partir da segunda metade do século XIX, a sociedade brasileira passa por profundas transformações. A gradativa restrição ao comércio de escravos propicia o crescimento do trabalho assalariado, que deu novo impulso ao capitalismo, e a decadência do regime monárquico provocam grandes mudanças politicas, econômicas e sociais. Já não há mais lugar para o subjetivismo e o sentimentalismo românticos.

Principais autores

Machado de Assis e Raul Pompeia distinguem-se entre os autores de tendência realista.
No Naturalismo, sobressai a obra de Aluísio Azevedo.
Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira destacam-se como poetas do Parnasianismo, movimento que corresponde ao realismo na poesia.
Ao lado desses autores aparecem ainda Domingos Olímpio e Manuel de Oliveira Paiva que tendem a desenvolver o regionalismo iniciado pelo Romantismo, entretanto com objetividade e sem a idealização romântica.

Machado de Assis
A obra de Machado de Assis divide-se em duas fases:
Romântica: Ressurreição (1872); A mão e a luva (1874); Helena (1876); Iaiá Garcia (1978)
Realista: Memorias póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891); Dom Casmurro (1899); Esaú e Jacó (1904); Memorial de Aires (1908).
Abandonando as convenções românticas da primeira fase, Machado de Assis, a partir de Memórias póstumas de Brás Cubas, passa a se concentrar nas personagens, buscando inspiração nas ações cotidianas do homem comum. Parte então para a análise psicológica, observando a consciência da personagem, transferindo muitas vezes para o leitor as suas próprias reflexões, dialogando com ele, quebrando o envolvimento emocional e a ordem cronológica da narrativa, denunciando, com uma visão de mundo pessimista e irônica, a face oculta das ações humanas – os interesses que se escondem sob as ações nobres, a inveja, a hipocrisia, a vaidade, o egoísmo, a ambição, a injustiça, a traição, a dissimulação etc. – desmascarando as aparências da burguesia do século XIX, cujo objetivo principal era o sucesso financeiro.
Por outro lado, o texto machadiano destaca-se pela perfeição formal, a linguagem trabalhada e rica.
Tendo sido o maior contista do século XIX e um dos melhores da literatura universal, Machado de Assis nos deixou verdadeiras obras-primas, tais como: Uns Braços, Missa do Galo, O alienista, Cantigas dos esponsais, A Cartomante, Noite de Almirante, Conto de escola, etc.
Foi influenciado pela leitura bíblica, por Cervantes, Flaubert, Edgar Alan Poe, Swift, Dickens e principalmente Blaise Pascal, matemático, físico e moralista francês, responsável por parte do pessimismo encontrado em sua obra.

O humanitismo
Em Memorias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis nos apresenta o filósofo Quincas Borba, que aparecerá em outro romance que leva o seu nome. Quincas Borba expõe a teoria do humanitismo, que é uma visão caricatural de uma proposta positivista da época em que se percebe o pensamento de Darwin. Para Quincas Borba, Humanitas é o principio da vida e reside em toda a parte. No humanitismo mostra-se que a dor e a violência são inerentes ao ser humano e que na luta pela vida a vitória do mais forte é natural.
Outro aspecto relevante na obra de Machado de Assis é a temática da loucura, explorada em O alienista e Quincas Borba.

Texto
Dom Casmurro
                                              Machado de Assis
CXXII – Olhos de ressaca

Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No Meio dela, Capitu olhou alguns instantes para ver o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
            As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou as carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem as palavras desta, mas grande e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.

CXXIV – O discurso
- Vamos, são horas...
Era José Dias que me convidava a fechar o ataúde. Fechamo-lo, e eu peguei numa das argolas; rompeu o alarido final. Palavra que, quando cheguei à porta, vi o sol claro, tudo gente e carros, as cabeças descobertas, tive um daqueles meus impulsos que nunca chegavam à execução: foi atirar à rua caixão, defunto e tudo. No carro disse a José Dias que se calasse. No cemitério tive de repetir a cerimônia da casa, desatar as correias, e ajudar a levar o féretro à cova. O que isto me custou imagina. Descido o cadáver à cova, trouxeram a cal e a pá; sabes disto, terás ido a mais de um enterro, mas o que não sabes nem pode saber nenhum dos teus amigos, leitor, ou qualquer outro estranho, é a crise que me tomou quando vi todos os olhos em mim, os pés quietos, as orelhas atentas, e, ao cabo de alguns instantes de total silêncio, um sussurro vago, algumas vozes interrogativas, sinais, e alguém, José Dias, que me dizia ao ouvido:
- Então, fale.
Era o discurso. Queriam o discurso. Tinham jus ao discurso anunciado. Maquinalmente, meti a mão no bolso, saquei o papel e li-o aos trambolhões, não todo, nem seguido, nem claro; a voz parecia-me entrar cm vez de sair, as mãos tremiam-me. Não era só a emoção nova que me fazia assim, era o próprio texto, as memórias do amigo, as saudades confessadas, os louvores à pessoa e aos seus méritos; tudo isto que eu era obrigado a dizer e dizia mal. Ao mesmo tempo, temendo que me adivinhassem a verdade, forcejava por escondê-la bem. Creio que poucos me ouviram, mas o gesto geral foi de compreensão e de aprovação.
1.    Dois capítulos do romance Dom Casmurro tem o título “Olhos de ressaca”. No capítulo XXXIII, Bentinho descreve pela primeira vez os olhos de Capitu: “Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, ‘olhos de cigana oblíqua e dissimulada’. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. (...) Olhos de ressaca? Vá, de ressaca.”
Que julgamento Bentinho, implícito no segundo paragrafo do capítulo CXXII, poderia justificar a repetição do título “Olhos de ressaca”?

2.    Capitu olhou alguns instantes para ver o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...”
Que advérbio se destaca neste trecho caracterizando um julgamento pessoal e subjetivo do narrador?

3.    O narrador se refere várias vezes ao caráter dissimulado, fingido, disfarçado de Capitu. Entretanto, no texto transcrito ele também age dissimuladamente. Ele estaria cumprindo que tipo de obrigações: afetivas ou sociais? Em que momento lhe pesa mais essa dissimulação?

4.    Com base no texto, dir-se-ia que o narrador está mais preocupado com a análise psicológica das personagens ou com as ações ou cenários?


Aluísio Azevedo

Ele nos deixou uma produção literária heterogênea. Ora publicava folhetins românticos, ora romances naturalistas de forte conteúdo social, nos quais denunciava o preconceito racial e de classe, a ambição do enriquecimento fácil, os problemas morais, as injustiças e misérias sociais. Muitas de suas personagens são seres desprezíveis e não é raro descrições de homens comparados a animais irracionais.
Sob a influência de Emile Zola e Eça de Queirós, buscou interpretar a realidade brasileira com base nas teorias científico – filosóficas, preocupando-se com o pormenor científico, com a patologia das suas personagens e com a burguesia decadente.
Seus romances naturalistas, dentre os quais se destacam O mulato, Casa de Pensão e O cortiço, são de grande importância e contrastam com as obras  românticas que publicava alternadamente para atender as necessidades econômicas, fazendo  concessões a uma classe de eleitores ainda afeita ao romantismo piegas.
Não sendo um criador de tipos, o social e o coletivo (a cidade, as habitações coletivas) destacam-se mais do que as suas personagens.

Texto
Rita Baiana
                                                Aluísio Azevedo
Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, tirilando. Em torno o entusiasmo tocava ao delírio; um grito de aplausos explodia de vez em quando, rubro e quente como deve ser um grito saído do sangue. E as palmas insistiam, cadentes, certas, num ritmo nervoso, numa persistência de loucura. E, arrastado por ela, pulou à arena o Firmo, ágil, de borracha, a fazer coisas fantásticas com as pernas, a derreter-se todo, a sumir-se no chão, a ressurgir inteiro com um pulo, os pés no espaço, batendo os calcanhares, os braços a querer fugirem-lhe dos ombros, a cabeça a querer saltar-lhe. E depois, surgiu também a Florinda, e logo o Albino e até, quem diria! o grave e circunspecto Alexandre.
O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando aos que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante.
E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados.
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
1.    Que diferenças podemos estabelecer entre a caracterização de Rita Baiana e uma personagem feminina dos romances românticos?

2.    Como se caracteriza o meio social do cortiço? Em que ele difere do ambiente romântico?

3.    Que sentimentos são despertados em Jeronimo pela dança de Rita Baiana?

4.    O narrador faz questão de retratar atitudes e personagens primitivos, acentuando a degradação dos tipos. Para isso, no romance, aproxima-os insistentemente de insetos e animais. Circule do texto exemplos que exemplifiquem esta afirmação.


Raul Pompeia
Sua obra mais importante é O Ateneu, publicada em 1888, romance autobiográfico que foge aos moldes do Realismo – Naturalismo devido à emotividade do narrador. A crítica moderna vê nele traços simbolistas e impressionistas, na medida em que o autor registra as impressões que seres e fatos provocaram na sua sensibilidade.
Em O Ateneu o autor rememora os tempos de internato, valendo-se da personagem Sergio, sua projeção pessoal. Este, já adulto, quer retratar com objetividade e isenção aqueles tempos, porém, o adulto se deixa dominar pelas impressões do menino, perdendo a objetividade e a impessoalidade e passando a deixar fluir as impressões que lhe ficaram daquele ambiente corrupto, dominado pelos vícios, pelo dinheiro e pela ânsia de poder, responsáveis pelas distorções de caráter de muitos dos meninos que ali chegavam. Destacam-se na obra a análise psicológica e o retrato caricatural das personagens.

O Ateneu
Já me era lícito julgar iniciado na convivência intima da escola. Chamado por Mânlio a provas, consegui agradar, conquistando uma aura que me devia por algum tempo favorecer. Encontrei o Barbalho. Tinha a face marcada pelas minhas unhas; evitou-me. No recreio cometi a injustiça de ir deixando o Rebelo. Também o amável camarada tinha na boca um mau cheiro que lhe prejudicava a pureza dos conselhos; demais, falava prendendo a gente com dedos de torquês e soltando os aforismos a queima-roupa. Por seu lado o venerando colega correspondeu ao movimento massando-se comigo, e amuando. Durante as aulas, em que nos sentávamos perto um do outro, absorvia-se em sua desesperada atenção e era como se estivesse a muitas milhas. Se, todavia, por imprescindível necessidade tinha de me falar, então, dirigia-me a palavra com a habitual afabilidade de jovem cura.
Estava aclimado, mas eu me aclimara pelo desalento, como um encarcerado no seu cárcere.
Depois que sacudi fora a tranca dos ideais ingênuos, sentia-me vazio de animo; nunca percebi tanto a espiritualidade imponderável da alma: o vácuo habitava-me dentro. Premia-me a força das coisas; senti-me acovardado. Perdeu-se a lição viril de Rebelo: prescindir de protetores. Eu desejei um protetor, alguém que me valesse, naquele meio hostil e desconhecido, e um valimento direto mais forte do que palavras.

1.    Que observaçao contida no primeiro parágrafo nos permite julgar hostil o ambiente do Ateneu?

2.    Em que trecho o narrador declara que a sua ambientaçao no Ateneu se deveu ao fato de nao ter outra opçao?

3.    Que mudança ocorre na personalidade do narrador ao conviver em um ambiente que ele considerava degradante, imoral?

4.    Por que Sergio desejava alguem que o protegesse?





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