domingo, 22 de junho de 2014

Cartas Chilenas - análise



Cartas Chilenas,
de Tomás Antônio Gonzaga

1.      Noções Gerais
                  

                   Cartas Chilenas é um conjunto de poemas, escritos em versos decassílabos e brancos, com uma metrificação parecida com a da epopéia, e circularam anonimamente em Vila Rica, entre 1787 e 1788, seus versos assumem um tom satírico.
                   É uma obra satírica, constituindo poema truncado e inacabado (13 cartas), na qual um morador de Vila Rica ataca a corrupção do Governador Luís da Cunha Menezes. Aponta as irregularidades de seu governo, configurando o ambiente de Vila Rica ao tempo da preparação política da Inconfidência Mineira. Em julho deste ano de 1878, Cunha Menezes deixaria o governo de Minas, em favor do Visconde de Barbacena.
                   Onde se deveria ler Portugal, Lisboa, Coimbra, Minas e Vila Rica, lê-se Espanha, Madrid, Salamanca, Chile e Santiago. Os nomes aparecem quase sempre deformados: Menezes é Minésio. Há apelidos e topônimos inalterados, como: Macedo, a ermida do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, a igreja do Pilar. O autor se dá o nome de Critilo e chama o destinatário de Doroteu. Finalmente, os fatos aludidos são facilmente identificados pelos leitores contemporâneos.
                   A matéria é toda referente à tirania e ao abuso de poder do Governador Fanfarrão Minésio, versando a sua falta de decoro, venalidade, prepotência e, sobretudo, desrespeito à lei. Afirmam alguns que o poema circulava largamente em Vila Rica em cópias manuscritas.
                   Critilo (Tomás Antônio Gonzaga) aplica-se de tal modo na sátira, que a beleza mal o preocupa. Os versos brancos concentram-se no ataque. Sente-se um poeta capaz de escrever no tom familiar que caracteriza o realismo dos neoclássicos, com certa inclinação para a pintura da vida doméstica.
                   Para Critilo, o arbitrário Governador constituía, de certo modo, atentado ao equilíbrio natural da sociedade.
                   Entretanto, não se nota nas Cartas nenhuma rebeldia contra os alicerces do sistema colonial, nem mesmo uma revolta contra o colonizador; apenas se critica a má administração do governador Cunha Menezes.
                   Seu significado político, todavia, permanece. Literariamente, é a obra satírica mais importante do século XVIII brasileiro e continua sendo o índice de uma época.
Sendo anônimo o poema e tendo permanecido inédito até 1845, houve dúvida quanto à sua autoria, embora a tradição mais antiga apontasse Gonzaga sem hesitação. Falou-se depois em Cláudio, em Alvarenga Peixoto, em colaboração etc. Estudos empreendidos neste século, culminando pelos de Rodrigues Lapa, vieram dar prati­camente a certeza da atribuição a Gonzaga.
                   É tida como uma das mais curiosas sátiras de todos os tempos em Literatura Brasileira (junto com Antônio Chimango). Quem assina essas cartas é um certo Critilo, que escreve a um amigo, Doroteu. O contexto também era diverso, já que o clima de opressão e a tensão política deveriam se asilar no apócrifo.
                   As Cartas têm em Cunha Menezes (no texto, batizado com o singelo nome de Fanfarrão Minésio) o seu protagonista. Além do viés satírico, a obra constitui um interessante quadro dos costumes daquela época e um registro precioso do que era a corrupção no Brasil já desde os tempos da Colônia. Critilo, por sua vez, escreve do Chile.

1.1 – Prólogo e Dedicatória das Cartas Chilenas

PRÓLOGO:
Amigo leitor, arribou a certo porto do Brasil, onde eu vivia, um galeão, que vinha das Américas espanholas. Nele se transportava um mancebo, cavalheiro instruído nas humanas letras. Não me foi dificultoso travar, com ele, uma estreita amizade e chegou a confiar-me os manuscritos, que trazia. Entre eles encontrei as Cartas Chilenas, que são um artificioso compêndio das desordens, que fez no seu governo Fanfarrão Minésio, general de Chile.
Logo que li estas Cartas, assentei comigo que as devia traduzir na nossa língua, não só porque as julguei merecedoras deste obséquio pela simplicidade do seu estilo, como, também, pelo benefício, que resulta ao público, de se verem satirizadas as insolências deste chefe, para emenda dos mais, que seguem tão vergonhosas pisadas.
Um D. Quixote pode desterrar do mundo as loucuras dos cavaleiros andantes; um Fanfarrão Minésio pode também corrigir a desordem de um governador despótico.
Eu mudei algumas coisas menos interessantes, para as acomodar melhor ao nosso gosto. Peço-te que me desculpes algumas faltas, pois, se és douto, hás-de conhecer a suma dificuldade, que há na tradução em verso. Lê, diverte-te e não queiras fazer juízos temerários sobre a pessoa de Fanfarrão. Há muitos fanfarrões no mundo, e talvez que tu sejas também um deles, etc.
... Quid rides ? mutato nomine, de te
Fabula narratur...
                   Horat. Sat lª, versos e .

DEDICATÓRIA:

Ilmos. e exmos. senhores,
Apenas concebi a idéia de traduzir na nossa língua e de dar ao prelo as Cartas Chilenas, logo assentei comigo que Vv. Exas. haviam-de ser os Mecenas a quem as dedicasse. São Vv. Exas. aqueles de quem os nossos soberanos costumam fiar os governos das nossas conquistas: são por isso aqueles a quem se devem consagrar todos os escritos, que os podem conduzir ao fim de um acertado governo.
Dois são os meios porque nos instruímos: um, quando vemos ações gloriosas, que nos despertam o desejo da imitação; outro, quando vemos ações indignas, que nos excitam o seu aborrecimento. Ambos estes meios são eficazes: esta a razão porque os teatros, instituídos para a instrução dos cidadãos, umas vezes nos representam a um herói cheio de virtudes, e outras vezes nos representam a um monstro, coberto de horrorosos vícios.
Entendo que Vv. Exas. se desejarão instruir por um e outro modo. Para se instruírem pelo primeiro, têm Vv. Exas. Os louváveis exemplos de seus ilustres progenitores. Para se instruírem pelo segundo, era necessário que eu fosse descobrir o Fanfarrão Minésio, em um reino estranho! Feliz reino e felices grandes que não têm em si um modelo destes!
Peço a Vv. Exas. que recebam e protejam estas cartas. Quando não mereçam a sua proteção pela eloqüência com que estão escritas, sempre a merecem pela sã doutrina que respiram e pelo louvável fim com que talvez as escreveu o seu autor Critilo.
Beija as mãos
De Vv. Exas.
O seu menor criado..

1.2 – Divisão da obra

Carta 1ª: Em que se descreve a entrada que fez
Fanfarrão em Chile;

Carta 2ª: Em que se mostra a piedade que Fanfarrão fingiu no princípio do seu governo, parachamar a si todos os negócios
Carta 3ª:  Em que se contam as injustiças e violências que Fanfarrão executou por causa de
uma cadeia, a que deu princípio.
Carta 4ª: Em que se continua a mesma matéria
Carta 5ª: Em que se contam as desordens feitas nas festas que se celebraram nos desposórios
do nosso sereníssimo infante, com a sereníssima infanta de Portugal.
Carta 6ª: Em que se conta o resto dos festejos.
Carta 7ª: Há tempo, Doroteu, que não prossigo
Do nosso Fanfarrão a longa história.
Carta 8ª: Em que se trata da venda dos despachos e contratos
Carta 9ª: Em que se contam as desordens que Fanfarrão obrou no governo das tropas.
Carta 10ª: Em que se contam as desordens maiores que Fanfarrão fez no seu governo.
Carta 11: ªEm que se contam as brejeirices de Fanfarrão.
Carta 12ª

Carta 13ª:
...............................................................................
...............................................................................
...............................................................................
...............................................................................
Ainda, caro amigo, ainda existem
Os vestígios dos templos suntuosos
Que a mão religiosa do bom Numa
Ergueu o Marte e levantou a Jano.
5 – Ainda, ainda lemos que elegera,
Para estas divindades, sacerdotes,
E que muitas donzelas consagrara,
Afim de conservar-se, aceso, o fogo,
Em o templo de Vesta, sobre as aras.
10 – Também, também sabemos que este sábio,
Para ter mais conceitos entre o seu povo,
Fingiu que a ninfa Egéria, sendo noite,
Vinha falar com ele, e que, benigna,
A forma do goveno lhe inspirava.
15 – O mesmo fez Sertório, que dizia
Que nada executa, que não fosse
Ensinado por uma branca cerva,
Que, a deusa caçadora lhe mandara.
Mafoma, o vil Mafoma, astuto segue
20 – Também este sistema: ao seu ouvido
Acostuma a chegar-se a mansa pomba.
A nação, ignorante, se convence
De que este seu profeta conhecia
Os segredos do céu, por este meio.
25 – Não há, meu Doroteu, não há um chefe,
Bem que perverso seja, que não finja,
Pela religião, um justo zelo,
E, quando não o faça por virtude,
Sempre, ao menos, o mostra por sistema.


Carta 1ª (fragmentos)

Não cuides, Doroteu, que vou contar-te
por verdadeira história uma novela
da classe das patranhas, que nos contam
verbosos navegantes, que já deram
ao globo deste mundo volta inteira.
Uma velha madrasta me persiga,
uma mulher zelosa me atormente
e tenha um bando de gatunos filhos,
que um chavo não me deixem, se este chefe
não fez ainda mais do que eu refiro.

.....................................................................

Tem pesado semblante, a cor é baça,
o corpo de estatura um tanto esbelta,
feições compridas e olhadura feia;
tem grossas sobrancelhas, testa curta,
nariz direito e grande, fala pouco
em rouco, baixo som de mau falsete;
sem ser velho, já tem cabelo ruço,
e cobre este defeito e fria calva
à força de polvilho que lhe deita.
Ainda me parece que o estou vendo
no gordo rocinante escarranchado,
as longas calças pelo embigo atadas,
amarelo colete, e sobre tudo
vestida uma vermelha e justa farda.





2.      Análise da 3ª carta

                   A narrativa desta carta inicia pela descrição de tempos escuros, um anoitecer prematuro, clara alusão a fatos políticos adversos.

“Todos em casa estão, e todos buscam
Divertir a tristeza, que nos peitos
Infunde a tarde, mais que a noite feia.”

                   Dirceu, o destinatário da missiva, certamente estaria ao abrigo da intempérie, entregue aos clássicos. Outros cidadãos estariam com suas famílias e o autor narra por solidão. Reafirma que o Governador, mal iniciada a gestão, já se entregara a desmandos, aparenta uma brandura com os condenados que não seria condizente com a lei ou o bom senso. Os grilhões enferrujam, o carrasco está ocioso, não há ordem no governo. Mas o governador está edificando uma nova cadeia, um monumento que conservasse seu nome... Mas seria um edifício magnífico construído do sofrimento alheio. Seria o a execração para seu autor. O governador projetou um prédio baseado em sua arrogância, não correspondendo à necessidade e aos recursos da vila. Os versos que se seguem descrevem a fachada do edifício; eu os transcrevo no tópico seguinte, apontando os elementos arquitetônicos correspondentes.

                   Em seguida Critilo, personagem autor da carta, diz que o encarregado da obra, desqualificando-o, nem tinha bem onde morar no corte, e que a edificação se destinaria a negros que viviam em cabanas. A referência que se faz então, comparando o governador a uma sereia, fundamenta-se na retórica d o gênero, construindo uma depreciação pela monstruosidade., pela desproporção e louvando a harmonia, que não é encontrada no governador nem na edificação (pelo tamanho exagerado).

“Na sabia proporção é que consiste
A boa perfeição das nossas obras.”

                   Critilo ainda menciona a Doroteu que a obra consome todos os recursos do senado (da câmara) privando a municipalidade. O governador ainda exige empréstimo de mão-de-obra (escravos) de quem os tem, manda prender pessoas mais humildes para os forçar ao trabalho na obra, captura quilombolas e usa de outros expedientes ilegais para conseguir trabalhadores. Critilo ressalta as ilegalidades cometidas, em passagem que denota sua instrução nas leis. Aproveitando sempre para atacar o governador em sua ignorância jurídica:

“O grande Salomão lamenta o povo
Que sobre o trono tem um rei menino;
Eu lamento a conquista a quem governa
Um chefe tão soberbo e tão estulto
Que, tendo já na testa brancas repas,
Não sabe, ainda, que nasceu vassalo.”

                   Diz na carta que a situação parece de guerra, tamanha a prática de exceção: prisões, confiscos, extorsão, abuso de poder. Abuso da chibata, empregada acima e além do modo previsto em lei. A carta finda o a narrativa de um castigo, ilegal e injusto, aplicado a um negro; chibata e tronco de forma cruel e humilhante, o que certamente teria comovido em excesso a Doroteu, pelo que a narrativa se interrompe.

“Que açoitar, Doroteu, em outra parte
Só pertence aos senhores, quando punem (…)
No pelourinho a escada já se assenta,
Já se ligam dos réus os pés e os braços,
Já se descem calções e se levantam
Das imundas camisas rotas fraldas,
Já pegam dois verdugos nos zorragues,
Já descarregam golpes desumanos,
Já soam os gemidos e respingam
Miúdas gotas de pisado sangue.(…)
Dos cem açoites, que no meio estava,
Mas outra nova conta se começa.
Os pobres miseráveis já nem gritam. (…)
Mas tu, prezado amigo, tens o peito,
Dos males que já leste, magoado,
Por isto é justo que suspenda a história,
Enquanto o tempo não te cura a chaga.

3.        A casa da Câmara e Cadeia (Museu da Inconfidência)

                   Observe-se a detalhada descrição da fachada feita por Critilo:

“Ora, pois, doce amigo, vou pintar-te
Ao menos o formoso frontispício.
Verás se pede máquina tamanha
Humilde povoado, aonde os grandes
Moram em casas de madeira a pique.
Em cima de espaçosa escadaria
Se forma do edifício a nobre entrada
Por dois soberbos arcos dividida;
Por fora destes arcos se levantam
Três jônicas colunas, que se firmam
Sobre quadradas bases e se adornam
De lindos capitéis, aonde assenta
Uma formosa, regular varanda;
Seus balaústres são das alvas pedras
Que brandos ferros cortam sem trabalho.
Debaixo da cornija, ou projetura,
Estão as armas deste reino abertas
No liso centro de vistosa tarja.
Do meio desta frente sobe a torre
E pegam desta frente, para os lados,
Vistosas galerias de janelas
A quem enfeitam as douradas grades.”


4.      Personagens

a)      Critilo

                   O Autor da carta, supostamente Tomás Antonio Gonzaga, que escreve ao amigo narrando os eventos ocorridos em Chile, para se referir a tudo que acontece na Capitania. O que se pode notar, pelo texto, em análise interna, é o letramento do personagem e sua instrução em leis.
                   Tomás Antonio Gonzaga nasceu em 1744, Porto (Portugal), e faleceu em 1810, em Moçambique (África). Era filho e neto de brasileiros. Completou sua educação, na Universidade de Coimbra, onde ingressou em 1761, bacharelando-se em Leis. Em 1782 sendo nomeado ouvidor em Vila-Rica (Minas Gerais), desempenhou este cargo com simpatia e agrado e era consultado pelos governadores em todos os negócios difíceis e complicados. Envolve-se na Conjuração Mineira, preso a 21-5-1787, removido para a prisão da ilha das Cobras, tem seus bens confiscados. Sofre pena de desterro, enviado a 23-51792, para a costa oriental da África, sentença de 10 anos de degredo.


b)      Doroteu

                   O destinatário da carta, alegadamente o poeta Cláudio Manuel da Costa, mas é um personagem criado como destinatário genérico, um interlocutor culto e também versado em lei e que notaria as referências de Critilo à literatura clássica e práticas jurídicas do reino.                                               
                   Cláudio Manuel da Costa (Vargem do Itacolomi, 5 de junho de 1729 — Vila Rica, 4 de junho de 1789). Filho de João Gonçalves da Costa, português, e Teresa Ribeira de Alvarenga, mineira, nasceu na atual cidade de Mariana. Tornou-se conhecido principalmente pela sua obra poética e pelo seu envolvimento na inconfidência mineira, advogado de prestígio, fazendeiro abastado, cidadão ilustre, pensador de mente aberta e mecenas do Aleijadinho. Estudou cânones em Coimbra e há quem acredite que ele tenha traduzido a obra de Adam Smith para o português, mas isso nunca foi muito bem fundamentado. Entre 1753 e 54, exerceu advocacia em Vila Rica, onde também exerceu o importante cargo de secretário do Governo. Aos sessenta anos foi comprometido na chamada Conjuração Mineira. Preso, morreu em circunstâncias obscuras, no dia 4 de julho de 1789, quando teria se suicidado na prisão.

d) Governador

                   O governador de Chile (Fanfarrão Minésio) com toda certeza se refere a Cunha Menezes, nobre português sem formação jurídica que, segundo o missivista, se prestou a inúmero desmandos na gestão de seu cargo na Capitania. O autor usa intermináveis apóstrofes depreciativas ao personagem: “o nosso chefe” (com ironia), “louco chefe”, “chefe tão soberbo”, etc. Todos os recursos retóricos para a degradação do personagem são empregados pelo autor, nesta carta, os argumentos nesse sentido são a ignorância jurídica e a falta de fundamentos nas atitudes de sua gestão. O personagem encarna e sintetiza todo mal da Capitania, estendendo a seus subordinados os mesmos vícios.
                   Luís da Cunha Menezes, que governou de 1783 a 1788. Menezes, que era alvo de gozação perante o povo, se tornaria famoso pela forma com que tratava os seus desafetos. Foi no seu governo que a Coroa Portuguesa instituiu a histórica e temida (e famosa) Derrama, quando a metrópole exigia de seus súditos até aquilo que eles não eram capazes de possuir.


5.      Eventos

                   Os principais eventos narrados são referentes à construção do Edifício da antiga Casa da Câmara e Cadeia, hoje sede do Museu da Inconfidência. Foi construído de 1785 a 1855 e é um dos mais belos espécimes da arquitetura brasileira do período colonial. Suas paredes, no primeiro pavimento, atingem dois metros de espessura. A obra foi considerada faraônica e demandou mão de obra e recursos que exauriram as finanças públicas e dilapidaram inclusive os recursos privados por extorsões e violências abusivamente praticadas. 


                                              
EXERCÍCIOS

INSTRUÇÃO: As questões de números 01 a 03 tomam por
base um trecho do poema satírico Cartas Chilenas, do poeta
neoclássico Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), e um fragmento do poema João Boa-Morte, cabra marcado para morrer, do poeta neoconcretista Ferreira Gullar (1930).

Cartas Chilenas

Os grandes, Doroteu, da nossa Espanha
têm diversas herdades: umas delas
dão trigo, dão centeio e dão cevada;
as outras têm cascatas e pomares,
com outras muitas peças, que só servem,
nos calmosos verões, de algum recreio.
Assim os generais da nossa Chile
têm diversas fazendas: numas passam
as horas de descanso, as outras geram
os milhos, os feijões e os úteis frutos,
que podem sustentar as grandes casas.
(...)
Amigo Doroteu, és pouco esperto;
as fazendas que pinto não são dessas
que têm para as culturas largos campos
e virgens matarias, cujos troncos
levantam, sobre as nuvens, grossos ramos.
Não são, não são fazendas onde paste
o lanudo carneiro e a gorda vaca,
a vaca, que salpica as brandas ervas
com o leite encorpado, que lhe escorre
das lisas tetas, que no chão lhe arrastam.
Não são, enfim, herdades, onde as loiras,
zunidoras abelhas de mil castas,
nos côncavos das árvores já velhas,
que bálsamos destilam, escondidas,
fabriquem rumas de gostosos favos.
Estas quintas são quintas só no nome,
pois são os dois contratos que utilizam
aos chefes, ainda mais que o próprio Estado.
Cada triênio, pois, os nossos chefes
levantam duas quintas ou herdades,
e, quando o lavrador da terra inculta
despende o seu dinheiro, no princípio,
fazendo levantar, de paus robustos,
as casas de vivenda e, junto delas,
em volta de um terreiro, as vis senzalas,
os nossos generais, pelo contrário,
quando estas quintas fazem, logo embolsam
uma grande porção de loiras barras.

(Tomás Antônio Gonzaga, Cartas Chilenas.
 1.ª edição: 1788-1789.)

João Boa-Morte

Vou contar para vocês
um caso que sucedeu
na Paraíba do Norte
com um homem que se chamava
Pedro João Boa-Morte,
lavrador de Chapadinha:
talvez tenha morte boa
porque vida ele não tinha.
Sucedeu na Paraíba
mas é uma história banal
em todo aquele Nordeste.
Podia ser em Sergipe,
Pernambuco ou Maranhão,
que todo cabra da peste
ali se chama João
Boa-Morte, vida não.
Morava João nas terras
de um coronel muito rico.
Tinha mulher e seis filhos,
um cão que chamava “Chico”,
um facão de cortar mato,
um chapéu e um tico-tico.
Trabalhava noite e dia
nas terras do fazendeiro.
Mal dormia, mal comia,
mal recebia dinheiro;
se recebia não dava
pra acender o candeeiro.
João não sabia como
fugir desse cativeiro.

(Ferreira Gullar, João Boa-Morte, cabra marcado para morrer.
1.a edição: 1962.)

01. No fragmento das Cartas Chilenas, a identidade das personagens censuradas pelo eu-poemático é fragmentada em expressões como “os grandes”, “os generais” e “os chefes”. Em João Boa-Morte, embora o enunciador revele ter um nome, sua identidade também se coletiviza e ele
perde a individualidade, absorvida pela situação descrita no poema. Com base nessa opção,

a) explique por que motivo essa personagem deixa de ser individualizada e acaba assumindo uma dimensão tipicamente coletiva;

b) transcreva os dois versos de João Boa-Morte, em que o eu-poemático reconhece essa coletivização da identidade.

02. Aspectos da métrica e da rima costumam ser diferenciais de certos períodos literários. Esses recursos podem ligar os poemas de Gonzaga e de Ferreira Gullar com o
Neoclassicismo, de um lado, e com a transposição de temas para a literatura de cordel, de outro. Tendo em vista essas possibilidades,

a) aponte as diferenças entre os dois poemas, quanto ao número de sílabas métricas e quanto ao emprego de rimas;

b) identifique um par de expressões rimadas, na segunda estrofe do poema de Ferreira Gullar, que remete à região onde é típica a literatura de cordel.

03. Em João Boa-Morte, o vocábulo “cativeiro” enfatiza o tipo de tratamento, próprio da escravidão, dispensado pelo fazendeiro ao seu empregado. Nas Cartas Chilenas, o eupoemático denuncia a corrupção das autoridades, mas, em certo momento, faz também uma referência à escravidão.
Relendo o texto de Gonzaga,

a) destaque o verso desse poema que contém essa alusão a elementos ligados à escravidão;

b) indique a palavra, no verso encontrado, que resume a opinião do eu-poemático quanto à escravidão, justificando sua escolha.


04.  Apontar a alternativa correta:
a)Tomás Antônio Gonzaga cultivou a poesia satírica em O Desertor. 
b)Na obra Cartas Chilenas, temos uma sátira contra a administração de Luís da Cunha Menezes. 
c) Nessa obra o autor se disfarça sob o nome de "Doroteu" 
d)Para maior disfarce, o autor de Cartas Chilenas faz passar a ação na cidade do Rio de Janeiro. 

05. Leia com atenção o trecho abaixo retirado de Cartas Chilenas:
Aqui o povo geme e os seus gemidos
Não podem, Doroteu, chegar ao trono.
E se chegam, sucede quase sempre
O mesmo que sucede nas tormentas,
Aonde o leve barco se soçoba
Aonde o grande nau resiste ao vento,

Através de um ditado popular, é possível reproduzir as idéias dos versos acima: Assinale-o

a)      A corda sempre arrebenta do lado mais fraco.
b)      Deus ajuda a quem cedo madruga.
c)      Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
d)     Gato escaldado tem medo de água fria.
e)      Macaco velho não põe a mão em cumbuca.

05) Escreva os termos que preenchem corretamente as lacunas do texto abaixo:

“As Cartas chilenas são importante documento histórico sobre o século .........., ao fazer a sátira ao então governador de Mina Gerais, tratado nas Cartas pelo pseudônimo de ......., O remetente assinava com o nome de .........., o destinatário era ........”

06. Tanto Tomás Antônio Gonzaga como Cláudio Manuel da Costa podem ser reconhecidos sob o disfarce de dois pseudônimos: um
lírico, Outro satírico. Quais os pseudônimos de Gonzaga? E os de Cláudio Manuel da Costa? (especifique o lírico e o satírico).

07. Leia, com atenção, o texto abaixo, selecionado das Cartas Chilenas.

“Chegou à nossa Chile a doce nova
de que real infante recebera
bem digna do leito, casta esposa.
Reveste-se o baxá de um gênio alegre
E, para bem furtar os seus desejos,
Quer que, a despesas do Senado e do povo,
Arda em grandes festins a terra toda.”

GONZAGA, T. A. Cartas Chilenas. p. 829.

No texto das Cartas Chilenas, há críticas severas e bem atuais à forma de organização política do Brasil, na qual não se estabelecem limites entre o público e o privado. Explique como o fragmento da Carta V, citado acima, deixa clara essa crítica.

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